Dudu e Daisy, meus filhos, têm uma interacção (como soi dizer) que me impressiona.
Ele irrita-a. Não consegue não. Ela grita, chora, protesta.
Eu ralho.
Dudu reage contrito, de cabeça baixa - ou, noutras vezes, responde-me: «Mas é assim que é suposto ser, pai». ["Suposto", como sabem, é o neologismo a que todos os jovens recorrem]. «É a relação de irmãos, funciona assim.»
O marmanjo tem dezasseis anos, a princesa seis. O papel dele, como irmão mais velho, pelos vistos, consiste em irritá-la.
O dela, em gritar por socorro. Adoro-os. Adoro-o. A ele também, embora me diga coisas como: «Eu, neste momento, não encontro em ti um pai. Só um Encarregado de Educação!» [Porque só me preocupo com as péssimas notas]
Num destes fins-de-semana foram arrumar o quarto da Daisy.
E quando fui verificar, deparei, na porta, com a seguinte lista de regras de utilização:
«REGRAS:
1) Não dar puns
2) Não estragar as coisas do quarto
3) Não desarrumar o quarto
4) Não entrar no quarto sem autorização
5) Não roubar as coisas do quarto
6) Não arrotar no quarto
7) Não comer nem beber no quarto
8) Descalçar os sapatos sujos da rua antes de entrar no quarto
Beijinhos, Daisy e Dudu»
Dudu é um jovem muito saudável, inteligente, preguiçoso, criativo, desarrumado e cheio de sentido de humor.
Tenho tido alguma dificuldade em conviver com as suas características negativas: a inteligência, a criatividade e o sentido de humor.
sábado, abril 28, 2012
terça-feira, abril 24, 2012
AFORISMOS KAOSTICOS
Algumas almas, particularmente sensíveis, arrependem-se muito do mal que lhes fazem.
quarta-feira, abril 18, 2012
PRIMAVERA EQUIVOCADA
A minha vizinha de duzentos anos [que no! que no! falo injustamente nos seus "duzentos anos" só para que se não retire, deste texto, a ilação tola de que a olho de algum modo especial] vem à rua frescamente vestida. [Lá está! Como se eu reparasse nisso...]
Digo-lhe: «Ó vizinha, olhe que está frio! Não vem fresca de mais?»
Responde-me:
«Estamos na primavera. Quero lá saber do frio! Eu venho bem. O tempo é que se enganou, não fui eu...»
Digo-lhe: «Ó vizinha, olhe que está frio! Não vem fresca de mais?»
Responde-me:
«Estamos na primavera. Quero lá saber do frio! Eu venho bem. O tempo é que se enganou, não fui eu...»
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terça-feira, abril 17, 2012
SOCIOLOGIA DA ENTOAÇÃO
Sou professor de adolescentes de ambos os sexos.
Sou pai de um jovem de dezasseis anos ingratos e difíceis. [Não «ingratos» para ele, mas porque é um rapaz pouco agradecido]. E de uma menina de seis anos.
Com a experiência que tenho, pois, na relação com rapazes e raparigas, vou conhecendo as suas maneiras de entoar as palavras.
Porque, é curioso, os jovens "falam" de uma forma típica, com uma musicalidade que a distingue da maneira de falar dos adultos.
Porque, é curioso, reparem como, em consequência dessa entoação, eles tendem a eliminar os "o" finais. Não dizem "consigo" mas "consigue", não dizem "pronto" mas "pronte", não dizem "cinzeiro" mas "cinzeire".
Porque, é curioso, nessa entoação, ou nessa expressiva forma de cantar o que se quer dizer, os rapazes são diferentes das raparigas: há uma música de miúda [que já começo a captar na minha filha, que não sendo ainda adolescente, mesmo assim, aos seis anos, já principia a entoar de uma certa maneira: com aquela espécie de arrogância que reside inteiramente no modo de falar, mais do que no conteúdo do discurso...], bem como há uma música de rapagão, mais seca - arrogante também, mas de um outro modo.
Temo que tudo isto se perca: não há registos, nem gravações, nem estudos feitos com esse objectivo; não existem comparações nem uma anotação de mudanças ao longo das idades dos putos e ao longo da vida da sociedade. Há tanto trabalho sobre a música popular, e nada sobre o cantar com que os jovens 1: falam uns com os outros, 2: falam com os pais, 3: falam com os professores.
Pelo que proponho a criação de uma nova esfera da sociologia: uma sociologia da entoação.
Tenciono ser o pioneiro desse conhecimento.
Guardem um prémio Nobel para daqui a quinze anos...
Sou pai de um jovem de dezasseis anos ingratos e difíceis. [Não «ingratos» para ele, mas porque é um rapaz pouco agradecido]. E de uma menina de seis anos.
Com a experiência que tenho, pois, na relação com rapazes e raparigas, vou conhecendo as suas maneiras de entoar as palavras.
Porque, é curioso, os jovens "falam" de uma forma típica, com uma musicalidade que a distingue da maneira de falar dos adultos.
Porque, é curioso, reparem como, em consequência dessa entoação, eles tendem a eliminar os "o" finais. Não dizem "consigo" mas "consigue", não dizem "pronto" mas "pronte", não dizem "cinzeiro" mas "cinzeire".
Porque, é curioso, nessa entoação, ou nessa expressiva forma de cantar o que se quer dizer, os rapazes são diferentes das raparigas: há uma música de miúda [que já começo a captar na minha filha, que não sendo ainda adolescente, mesmo assim, aos seis anos, já principia a entoar de uma certa maneira: com aquela espécie de arrogância que reside inteiramente no modo de falar, mais do que no conteúdo do discurso...], bem como há uma música de rapagão, mais seca - arrogante também, mas de um outro modo.
Temo que tudo isto se perca: não há registos, nem gravações, nem estudos feitos com esse objectivo; não existem comparações nem uma anotação de mudanças ao longo das idades dos putos e ao longo da vida da sociedade. Há tanto trabalho sobre a música popular, e nada sobre o cantar com que os jovens 1: falam uns com os outros, 2: falam com os pais, 3: falam com os professores.
Pelo que proponho a criação de uma nova esfera da sociologia: uma sociologia da entoação.
Tenciono ser o pioneiro desse conhecimento.
Guardem um prémio Nobel para daqui a quinze anos...
quinta-feira, abril 12, 2012
FILHA DE FILÓSOFO SABE NADAR
Daisy tem seis anos e eu sou, além de seu pai, professor de filosofia.
Não resisto. Proponho-lhe o seguinte exercício de ética, um dia em que ela me diz [creio que com razão] que não se deve mentir.
«Mas então, imagina que uma senhora muito feia te pergunta: Achas que sou bonita? Mentimos-lhe? Ou escolhemos a verdade: Ah, não, não és nada bonita!?»
[Escusam de me dizer que sou políticamente incorrecto, que é importante que Daisy interiorize que não se deve mentir, etc. É inútil. Não resisto a certas provocações].
Posto isto, eis a sua resposta:
«Pai. Deves dizer sempre a verdade. Mas podes dizer assim: olha, tu realmente não tens uma cara bonita. Mas os teus sapatos são muito lindos!»
Não resisto. Proponho-lhe o seguinte exercício de ética, um dia em que ela me diz [creio que com razão] que não se deve mentir.
«Mas então, imagina que uma senhora muito feia te pergunta: Achas que sou bonita? Mentimos-lhe? Ou escolhemos a verdade: Ah, não, não és nada bonita!?»
[Escusam de me dizer que sou políticamente incorrecto, que é importante que Daisy interiorize que não se deve mentir, etc. É inútil. Não resisto a certas provocações].
Posto isto, eis a sua resposta:
«Pai. Deves dizer sempre a verdade. Mas podes dizer assim: olha, tu realmente não tens uma cara bonita. Mas os teus sapatos são muito lindos!»
quarta-feira, abril 11, 2012
ITÁLIA
Confesso que gosto muito de Itália - essa Itália que nunca visitei senão em sonhos e em livros. Ou em filmes.
Encanta-me a língua, a literatura, logo desde os filósofos romanos mas, sobretudo, com o enorme Dante, e o cinema.
E no entanto há cenas de aparente comédia que, a serem reais, só poderiam ser cenas italianas. Fellini bem o sabia.
Só um italiano poderia ser verdadeiramente protagonista do rocambolesco episódio do Costa Concordia: falo do capitão do iate que, de acordo com o próprio, não foi dos primeiros a fugir para um bote salva-vidas: caiu num salva-vidas, precisamente quando dirigia as operações de salvamento. Que, aliás, terá continuado a dirigir, ao fundo, gritando e gesticulando, do alto de uma pedra.
Há situações que, quando achamos que só podem ter sido inventadas por um comediante delirante, provavelmente aconteceram mesmo - em Itália.
Encanta-me a língua, a literatura, logo desde os filósofos romanos mas, sobretudo, com o enorme Dante, e o cinema.
E no entanto há cenas de aparente comédia que, a serem reais, só poderiam ser cenas italianas. Fellini bem o sabia.
Só um italiano poderia ser verdadeiramente protagonista do rocambolesco episódio do Costa Concordia: falo do capitão do iate que, de acordo com o próprio, não foi dos primeiros a fugir para um bote salva-vidas: caiu num salva-vidas, precisamente quando dirigia as operações de salvamento. Que, aliás, terá continuado a dirigir, ao fundo, gritando e gesticulando, do alto de uma pedra.
Há situações que, quando achamos que só podem ter sido inventadas por um comediante delirante, provavelmente aconteceram mesmo - em Itália.
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divinos crimes,
justificações e insinuações,
TALENTOS INSENSATOS
terça-feira, abril 10, 2012
ALÔ CÁ ESTOU EU, O BRISE CONTÍNUO
Este blogue foi a mãe de todos os meus blogues.
Aqui me estreei, me experimentei, testei ideias, escrevi contos e revelei sentimentos, relatei as experiências de um pai comediante ou de um professor filosofante. Fiz comentário político, de cinema ou de literatura.
Sempre pensei que este blogue seria o único a durar. O mais "eu" de todos.
E, no entanto, fui rareando as suas aparições, como uma Nossa Senhora de Fátima preguiçosa ou que deviesse ateia.
Outros blogues, em contrapartida, ganhavam pujança. O dos livros ganhou novos seguidores. No de cinema, escrevo de vez em quando. E este?
Já não me apetecia comunicar a minha intimidade cómica?
Por acaso, descobri ontem que havia um comentário. Acerca de um "post" antigo, sobre hip-hop, o "Falas de Azul": uma leitora cometera o mesmo erro que eu, e não perdeu a oportunidade de o comentar.
De repente, fui assaltado. À queima-roupa. Vieram de rosto encoberto, com martelos e ganchos nas mãos, ataram-me a uma cadeira e pediram-me contas. Bateram-me com um taco de baseball nas pernas. Eram as saudades...
Saí da experiência endoidecido, jurando voltar ao "kaostico", de cuja ausência també o meu primo viajante, emigrante, se queixa muito - meu pobre e longínquo primo, para quem o "kaostico" foi, pelos vistos, um vínculo à língua e ao humor portugueses...
Querem acreditar? O "kaostico" desfizera-se a tal ponto que já nem da palavra passe me conseguia lembrar.
Não quero nem posso prometer que este regresso seja "o" regresso. Talvez amanhã não venha.
Mas se me lembrar ainda da palavra passe, acredito que um dia volte.
Aqui me estreei, me experimentei, testei ideias, escrevi contos e revelei sentimentos, relatei as experiências de um pai comediante ou de um professor filosofante. Fiz comentário político, de cinema ou de literatura.
Sempre pensei que este blogue seria o único a durar. O mais "eu" de todos.
E, no entanto, fui rareando as suas aparições, como uma Nossa Senhora de Fátima preguiçosa ou que deviesse ateia.
Outros blogues, em contrapartida, ganhavam pujança. O dos livros ganhou novos seguidores. No de cinema, escrevo de vez em quando. E este?
Já não me apetecia comunicar a minha intimidade cómica?
Por acaso, descobri ontem que havia um comentário. Acerca de um "post" antigo, sobre hip-hop, o "Falas de Azul": uma leitora cometera o mesmo erro que eu, e não perdeu a oportunidade de o comentar.
De repente, fui assaltado. À queima-roupa. Vieram de rosto encoberto, com martelos e ganchos nas mãos, ataram-me a uma cadeira e pediram-me contas. Bateram-me com um taco de baseball nas pernas. Eram as saudades...
Saí da experiência endoidecido, jurando voltar ao "kaostico", de cuja ausência també o meu primo viajante, emigrante, se queixa muito - meu pobre e longínquo primo, para quem o "kaostico" foi, pelos vistos, um vínculo à língua e ao humor portugueses...
Querem acreditar? O "kaostico" desfizera-se a tal ponto que já nem da palavra passe me conseguia lembrar.
Não quero nem posso prometer que este regresso seja "o" regresso. Talvez amanhã não venha.
Mas se me lembrar ainda da palavra passe, acredito que um dia volte.
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