Durante três dias e meio, não dei por que houvesse a menor alteração nas nossas vidas.
Na tarde do quarto dia, contudo, os ratos haviam desaparecido.
Rejubilei. Entoeei cânticos, executei a dança da vitória, chorei de tanto rir. Mandei instalar uma nova fechadura no guarda-fatos, calafetei buracos e fendas; lanchei com um apetite que já não conhecia desde o princípio daquela fatídica invasão...
Durante um lento e longo dia, nada de novo aconteceu. Parecia que tinham retornado ao seu planeta. Mais tarde, apercebi-me de que reinava uma inexplicável confusão no quintal do vizinho, o arrogante proprietário de flores; instalei-me, pois, à varanda, meio oculto, confortavelmente sentado numa cadeira reclinável, com um par de binóculos em punho, para não perder os mais minúsculos detalhes (posto que os detalhes são, frequentemente, a parte mais divertida de cenas cómicas), uma mesinha à mão de semear, repleta de pratos de amendoíns, bolachinhas, queijinhos. Ria-me, num quase insuportável gozo íntimo, que me abanava os ombros em frouxos de um riso contínuo e canino. Observava atentamente o caos.
De facto, não entendia o que sucedia. Hoje, pelo contrário, sei-o perfeitamente! Oh, se sei. Amaldiçoo o meu plano, aquela alegria de curta duração: o doido das petúnias tornara-se, não sei como nem graças a que medida, talvez com a ajuda de uma flauta, no incontestado líder das ratazanas. Vejo-os a todos, pelos meus binóculos (e estou sem vontade de continuar comendo amendoíns), vejo-os a construir poderosas e horrorosas armas. O quintal encheu-se de instrumentos bélicos. Que, ou quem, planearão eles invadir? Que acontecerá ao mundo? Pior do que isso: que será da minha casinha, que tanto me tem custado pagar?
Vejo-os, pois, esquecidos das flores, trajando Hugo Boss e Luigi Camapheu, armando perturbadores e suspeitos canhões, tanques e bazukas de raios lazer, naves e helicópteros davincianos.
Preparo a defesa. Guardo mantimentos: amendoíns, bolachinhas, batata frita, queijos. Cerro janelas. Não me matarão facilmente. Enviei Amélia e os garotos para casa da mãe. Espero-os de pé. Com um capacete esverdinhado - prefiro escrever deste modo a palavra, ao invés do sensaborão «esverdeado» - cheio de figuras dos Simpson!
FIM
sexta-feira, abril 25, 2008
terça-feira, abril 22, 2008
OS RATOS DO GUARDA-FATOS [III]
De maneira que tive de urdir um plano.
Comecei a tecê-lo, com a pérfida minúcia e a paciência da aranha, num dia em que o um dos vizinhos me veio devolver, por uma orelha, o meu próprio filho que, segundo ele, lhe amassara as petúnias - julgo que seriam petúnias... - sob a inclemente roda da bicicleta.
Ora bem! Sinto uma extrema comoção quando vejo o meu filho montando a sua bicicleta colorida. Dá-me uma dor funda no peito, algo como piedade, sempre que o miudo passa, diante dos meus olhos, com um absurdo capacete às três pancadas. Poquê piedade, porquê um tão deslocado sentimento? Talvez porque haja, naquele capacete esverdinhado, com figuras dos Simpson estampadas, qualquer coisa de ridículo e profundamente infantil, que faz chegarem-me as lágrimas aos olhos. (O menino tem quinze anos, que diabo!) Mas como explicar isto a um vizinho implicativo? Não são capazes de mo dizer? «Amassou-me as petúnias!», grita ele. (Ou seriam begónias?!) Poderia eu, acaso, responder-lhe: «Sim, é possível, coitadinho, mas já reparou no ridículo capacete que traz enfiado na cabeça? Já observou bem os bonecos dos Simpsons? Deixe-o lá estar, pobre puto...!»
De modo que aceitei a entrega do rapaz, jurei ao vizinho que ralharia convenientemente, prontifiquei-me a pagar as flores, fossem lá elas o que fossem, mas mais tarde, assim que topei o homem distraído, fotografei-lhe o rosto infame, a malvada fuça; depois, fui recortando roupas que achei em páginas das revistas de moda masculina, colei belíssimos casacos Hugo Boss, ou camisolas Benneton, em papel lustroso, ao corpo fotografado do vizinho, fiz daquilo cartazes, e colei os ditos nas paredes do meu quarto, de frente para o guarda-fatos, chamando a atenção dos ratos, como quem insinua: «Gostam de roupas? Hum?! Das boas, das caras, hein? Já viram quem tem disso? Vejam, ora vejam. Olhem para este senhor na fotografia. Não me dizem nada? O casaco cintado? A calça em estilo italiano? A peúga axadrezada?»
Partindo do princípio de que aqueles ratos eram, de facto, seres inteligentes, coloquei ainda, de modo muito visível, ao lado da série de fotos do senhor Ronaldo, um diagrama do caminho mais curto para lhe chegarem a casa.
Ri-me. (Ah, eu sou terrível, sei que sim, sei que consigo tornar-me quase excessivamente mau).
E aguardei!
(CONTINUA)
Comecei a tecê-lo, com a pérfida minúcia e a paciência da aranha, num dia em que o um dos vizinhos me veio devolver, por uma orelha, o meu próprio filho que, segundo ele, lhe amassara as petúnias - julgo que seriam petúnias... - sob a inclemente roda da bicicleta.
Ora bem! Sinto uma extrema comoção quando vejo o meu filho montando a sua bicicleta colorida. Dá-me uma dor funda no peito, algo como piedade, sempre que o miudo passa, diante dos meus olhos, com um absurdo capacete às três pancadas. Poquê piedade, porquê um tão deslocado sentimento? Talvez porque haja, naquele capacete esverdinhado, com figuras dos Simpson estampadas, qualquer coisa de ridículo e profundamente infantil, que faz chegarem-me as lágrimas aos olhos. (O menino tem quinze anos, que diabo!) Mas como explicar isto a um vizinho implicativo? Não são capazes de mo dizer? «Amassou-me as petúnias!», grita ele. (Ou seriam begónias?!) Poderia eu, acaso, responder-lhe: «Sim, é possível, coitadinho, mas já reparou no ridículo capacete que traz enfiado na cabeça? Já observou bem os bonecos dos Simpsons? Deixe-o lá estar, pobre puto...!»
De modo que aceitei a entrega do rapaz, jurei ao vizinho que ralharia convenientemente, prontifiquei-me a pagar as flores, fossem lá elas o que fossem, mas mais tarde, assim que topei o homem distraído, fotografei-lhe o rosto infame, a malvada fuça; depois, fui recortando roupas que achei em páginas das revistas de moda masculina, colei belíssimos casacos Hugo Boss, ou camisolas Benneton, em papel lustroso, ao corpo fotografado do vizinho, fiz daquilo cartazes, e colei os ditos nas paredes do meu quarto, de frente para o guarda-fatos, chamando a atenção dos ratos, como quem insinua: «Gostam de roupas? Hum?! Das boas, das caras, hein? Já viram quem tem disso? Vejam, ora vejam. Olhem para este senhor na fotografia. Não me dizem nada? O casaco cintado? A calça em estilo italiano? A peúga axadrezada?»
Partindo do princípio de que aqueles ratos eram, de facto, seres inteligentes, coloquei ainda, de modo muito visível, ao lado da série de fotos do senhor Ronaldo, um diagrama do caminho mais curto para lhe chegarem a casa.
Ri-me. (Ah, eu sou terrível, sei que sim, sei que consigo tornar-me quase excessivamente mau).
E aguardei!
(CONTINUA)
domingo, abril 20, 2008
OS RATOS DO GUARDA-FATOS [II]
Sobre os ratos - e está assente que continuarei a tratá-los por «ratos» -, diversas teorias me desabaram em cima.
Uma, a da minha sobrinha doida, que vinha contando, desde há muitos anos, a perturbadora narração de como uns extra-terrestres a teriam sugado para uma nave espacial e depois, na nave, «sugado» fisicamente - desculpem-me a grosseria da linguagem - de todas as formas imagináveis e inimagináveis, consistia em que estes seres, que haviam nidificado no meu guarda-fatos, seriam nada mais do que os extra-terrestres violadores, que a vinham buscar para novas experiências sexuais.
- Desculpa lá, Deolinda - estranhava eu -, mas tu não dizias que os ET que te violaram repetidamente tinham o aspecto do Brad Pitt, do George Clooney etc? Estes são ratos, menina. Com óculos e carecas, é certo, mas ratos!
- Ratos?! Hum...!
Outra teoria, a do meu psicólogo - porque eu andei no psicólogo, é verdade, mas só porque passei por um período particularmente fatigante na minha vida... - resumia-se à tese de que estes ratos seriam, no fundo, uma projecção minha: tratar-se-ia do modo como eu corporizara os meus medos, as minhas angústias, ou o terror, que aliás me vinha obcecando, de que a minha vida ruía por todos os lados...
- Mas então não existem, é isso? - perguntava-lhe eu, pouco convencido. - São uma espécie de delírio, uma fantasia? Só que repare, Dr. Fraude, não fui eu quem os descobriu. Foi a minha mulher. Como é que Amélia poderia ter visto, no guarda-fatos, as minhas fantasias?
- Não disse que eram fantasias suas. Admitamos que as suas angústias, os seus terrores, têm tanta energia, que tomam efectivamente forma. Eles existem. A sua mente criou-os, mas eles libertaram-se e andam por aí...
Parecia-me uma explicação, como dizer?, pouco plausível, sim, mas não menos plausível do que o próprio facto, em si, de haver ratos carecas e caixa-de-óculos no meu guarda-fatos.
Só pus esta teoria de parte quando, entretanto, o Dr. Augusto Fraude foi internado, completamente maluco, e maluco furioso!
Por outro lado, houve várias tentativas de me libertar dos ratos.
Amélia dirigiu-se-lhes, uma vez, de guarda-chuva em punho. Queria expulsá-los, ou matá-los, nem sei. Mas haviam de ver a reacção do chefe. Aqueles dentes, o seu rosnar, o seu bufar, o seu hálito, a sua ira, ali de pé, agitando as patas ameaçadoras, cheias de garras! Livra!
Claro, telefonei, nessa mesma tarde, ao Implacável Exterminador. O Implacável Exterminador era um Schwarzenegger à portuguesa, com falas mansas, um bigodinho lustroso, muitos músculos que lhe serviam de terreno a magníficas tatuagens, evocativas da guerra da Guiné e do amor aos pais, e que descia, de uma carrinha, com um impressionante e sinistro manancial de aparelhos.
Na verdade, nem o senhor Cavaco Silva - por mera casualidade, assim se chamava o senhor, semelhantemente ao nosso Presidente - conseguiu pôr cobro à infestação.
Vimo-lo entrar em casa, confiante. Aguardávamos cá fora. E vimo-lo sair, chorando.
- Peço desculpa, senhor Albuquerque. Não posso! É verdade que sou um bruto, um selvagem, fiz a guerra, matei pretos às centenas mas... isto não sou capaz! Não posso matar um rato de fato e gravata!
- Deus do céu! O fato?! O meu único fato? Já andam com o fato que me serve para os casamentos, para os baptizados, para todas as festas? Dê cá esse aparelho. Eu próprio dou cabo deles...
- Lamento, senhor Albuquerque. Eu não sou capaz. Adeus.
E a minha última esperança foi-se embora, numa nuvem de pó.
(CONTINUA)
Uma, a da minha sobrinha doida, que vinha contando, desde há muitos anos, a perturbadora narração de como uns extra-terrestres a teriam sugado para uma nave espacial e depois, na nave, «sugado» fisicamente - desculpem-me a grosseria da linguagem - de todas as formas imagináveis e inimagináveis, consistia em que estes seres, que haviam nidificado no meu guarda-fatos, seriam nada mais do que os extra-terrestres violadores, que a vinham buscar para novas experiências sexuais.
- Desculpa lá, Deolinda - estranhava eu -, mas tu não dizias que os ET que te violaram repetidamente tinham o aspecto do Brad Pitt, do George Clooney etc? Estes são ratos, menina. Com óculos e carecas, é certo, mas ratos!
- Ratos?! Hum...!
Outra teoria, a do meu psicólogo - porque eu andei no psicólogo, é verdade, mas só porque passei por um período particularmente fatigante na minha vida... - resumia-se à tese de que estes ratos seriam, no fundo, uma projecção minha: tratar-se-ia do modo como eu corporizara os meus medos, as minhas angústias, ou o terror, que aliás me vinha obcecando, de que a minha vida ruía por todos os lados...
- Mas então não existem, é isso? - perguntava-lhe eu, pouco convencido. - São uma espécie de delírio, uma fantasia? Só que repare, Dr. Fraude, não fui eu quem os descobriu. Foi a minha mulher. Como é que Amélia poderia ter visto, no guarda-fatos, as minhas fantasias?
- Não disse que eram fantasias suas. Admitamos que as suas angústias, os seus terrores, têm tanta energia, que tomam efectivamente forma. Eles existem. A sua mente criou-os, mas eles libertaram-se e andam por aí...
Parecia-me uma explicação, como dizer?, pouco plausível, sim, mas não menos plausível do que o próprio facto, em si, de haver ratos carecas e caixa-de-óculos no meu guarda-fatos.
Só pus esta teoria de parte quando, entretanto, o Dr. Augusto Fraude foi internado, completamente maluco, e maluco furioso!
Por outro lado, houve várias tentativas de me libertar dos ratos.
Amélia dirigiu-se-lhes, uma vez, de guarda-chuva em punho. Queria expulsá-los, ou matá-los, nem sei. Mas haviam de ver a reacção do chefe. Aqueles dentes, o seu rosnar, o seu bufar, o seu hálito, a sua ira, ali de pé, agitando as patas ameaçadoras, cheias de garras! Livra!
Claro, telefonei, nessa mesma tarde, ao Implacável Exterminador. O Implacável Exterminador era um Schwarzenegger à portuguesa, com falas mansas, um bigodinho lustroso, muitos músculos que lhe serviam de terreno a magníficas tatuagens, evocativas da guerra da Guiné e do amor aos pais, e que descia, de uma carrinha, com um impressionante e sinistro manancial de aparelhos.
Na verdade, nem o senhor Cavaco Silva - por mera casualidade, assim se chamava o senhor, semelhantemente ao nosso Presidente - conseguiu pôr cobro à infestação.
Vimo-lo entrar em casa, confiante. Aguardávamos cá fora. E vimo-lo sair, chorando.
- Peço desculpa, senhor Albuquerque. Não posso! É verdade que sou um bruto, um selvagem, fiz a guerra, matei pretos às centenas mas... isto não sou capaz! Não posso matar um rato de fato e gravata!
- Deus do céu! O fato?! O meu único fato? Já andam com o fato que me serve para os casamentos, para os baptizados, para todas as festas? Dê cá esse aparelho. Eu próprio dou cabo deles...
- Lamento, senhor Albuquerque. Eu não sou capaz. Adeus.
E a minha última esperança foi-se embora, numa nuvem de pó.
(CONTINUA)
OS RATOS DO GUARDA-FATOS [I]
Eram ratos, mas não eram bem ratos. Claro que, de início, me enganaram: Amélia dissera-me, uma tarde, com um trejeito de nojo, que o meu guarda-fatos fora invadido por ratos; pareceu-me um manifesto exagero. Fui investigar e dei, realmente, de caras com aqueles animais peludos, de dentes grandes e longas caudas aneladas, que julguei imediatamente que sim, que se tratava, afinal, de um ninho de meros ratos. Só mais tarde é que alguns pormenores me obrigaram a questionar a ideia: para começar, embora tivessem o corpo coberto de pêlos, tinham maior quantidade de pêlo na cabeça, exactamente como se fosse cabelo; curiosamente, o chefe deles era careca: viam-se-lhe reservas de pilosidade na cabeça, na nuca e em torno das orelhas, mas o alto rebrilhava numa pérfida calvície. Por outro lado, também me não parecia normal que os ratos tivessem óculos: o chefe tinha-os. De aros pretos, de massa, grossos, com lentes graduadíssimas.
O comportamento também se mostrava atípico: levei tempo a compreender que o que eles faziam no guarda-fatos não era propriamente comer tecido. Escolhiam roupa. Onde estava o meu casaco de cabedal? Lá passava um destes bicharocos diante dos meus olhos incrédulos, envergando-o com estilo, embora, notoriamente, lhe ficasse demasiado largo nos ombros e as mangas fossem muito compridas para ele. Mas as camisas, sobretudo as camisas constituíam, para os roedores, um objecto de fascínio e experimentação. E as gravatas!
Os meus leitores hão-de pensar, ou que eu estou a mentir: e não estou. Ou que estou a enveredar por caminhos tortuosos e falhados de ficção, inspirado pela «Metamorfose», de Kafka, e também não estou. Ou que sonhei. Os ratos poderiam ser personagens do meu mais recente pesadelo. Bem, isso também eu pensei. Ou tentei reduzir tudo a essa simplicidade, lutanto por salvar uma réstea de lógica na minha vida. E quem me dera, quem me dera! Mas não. Não se tratava de sonho algum!
(CONTINUA)
O comportamento também se mostrava atípico: levei tempo a compreender que o que eles faziam no guarda-fatos não era propriamente comer tecido. Escolhiam roupa. Onde estava o meu casaco de cabedal? Lá passava um destes bicharocos diante dos meus olhos incrédulos, envergando-o com estilo, embora, notoriamente, lhe ficasse demasiado largo nos ombros e as mangas fossem muito compridas para ele. Mas as camisas, sobretudo as camisas constituíam, para os roedores, um objecto de fascínio e experimentação. E as gravatas!
Os meus leitores hão-de pensar, ou que eu estou a mentir: e não estou. Ou que estou a enveredar por caminhos tortuosos e falhados de ficção, inspirado pela «Metamorfose», de Kafka, e também não estou. Ou que sonhei. Os ratos poderiam ser personagens do meu mais recente pesadelo. Bem, isso também eu pensei. Ou tentei reduzir tudo a essa simplicidade, lutanto por salvar uma réstea de lógica na minha vida. E quem me dera, quem me dera! Mas não. Não se tratava de sonho algum!
(CONTINUA)
sexta-feira, abril 18, 2008
O COLETE REFLECTOR E O BONÉ DE ORELHAS
Domingos Paciência era um sujeito de natureza bondosa, que uma educação sensível e atenta só veio melhorar, limando-lhe e aplainando-lhe o coração.
Sua mãe costumava dizer, talvez com algum exagero, que o menino Domingos nunca tivera as manifestações de egoísmo e mesquinhez que são comuns nas crianças. Nunca fizera uma birra. Nunca recusara a sopa. Nunca.
Quando esta história vai ao seu encontro, Domingos é já um homem feito, de uma trintena de anos. Segue pela A5, de manhã, enfiado numa fila desesperada de automóveis, onde só deparamos com rostos agrestes e conflituosos, onde só se vêem condutores prontos a buzinar, a insultar, à espera de um minúsculo pretexto para deixar por um instante a viatura, com o fito de oferecer uma ensinadela ao condutor de trás (leia-se: um par de murros): em todos os carros, raiva mal contida, com a excepção - que os meus leitores previam, certamente - de Domingos Paciência.
O nosso herói ouve rádio, gargalha com as piadas matinais dos locutores, trauteia a última música da Duffy. Domingos Paciência, ah, sim: o apelido adequa-se-lhe como uma luva.
A dado momento, Paciência repara num carro muito velho e sujo, que tivera de estacionar na berma da via. De pé, ao lado desse automóvel, uma mulher idosa, curvada, vestindo, ridiculamente, um colete reflector, parece não saber o que fazer à vida. E no interior do veículo, um homem ainda mais idoso - pelo menos de aparência -, mais enrugado do que Matusalém, com um boné de orelhas enterrado na cabeça, agita-se numa espécie de estertor aflito.
Ninguém, naquela multidão nervosa, quer perder tempo com aqueles dois, ninguém lhes liga, ninguém sabe nem quer saber.
Domingos Paciência não resiste ao triste espectáculo da velhice desamparada. Dir-se-ia que dois pormenores, sobretudo, o obrigam a estacionar ao pé do trágico casal para lhes levar conforto e ajuda: o colete reflector, muito verde, mal amanhado sobre a corcunda da senhora, e o boné de orelhas descaídas pela cabeça do homem abaixo.
Não hesita.
Pára o seu automóvel a pouca distância deles.
Abre a porta. Dirige-se ao casal.
Pelo caminho, observando a expressão bizarra dos dois, a linguagem corporal deles, que lhe parece de receio, pensa: «Querem ver que eles se assustam comigo? Ainda pensam que os vou assaltar...! Coitados! Ao que este mundo chegou. Estão de tal modo longe de imaginar que alguém se preocupe com eles, que...»
E, pensando assim, agita os braços no ar, procurando acalmá-los, sem deixar de se aproximar:
- Calma, amigos! Vou ajudá-los! Então, que se passa?
A gestualidade dos velhos parece-lhe, cada vez mais, de uma estranhíssima e inexplicável angústia. A mulher berra-lhe algo. Por causa do vento, não lhe entende a voz frágil. De modo que Domingos Paciência não vê alternativa senão continuar gritando:
- Calma, amigos! Calma, amigos! Eu ajudo-vos!
É já quando está muito próximo, a três, quatro passos, que descobre, em primeiro lugar, que a senhora lhe aponta o que pode bem ser uma arma; e em segundo lugar, que as suas palavras são estas:
- Passa para cá tudo. Dinheiro, telemóvel, anéis, jóias. Vá, rápido.
Ao mesmo tempo, o velho do chapéu de orelhas, que tanto o havia comovido, sai do automóvel, empunhando uma espingarda de canos curtos; o homem tem a boca aberta sobre um negrume sem dentes, e acrescenta:
- E passa para cá a placa!
Sua mãe costumava dizer, talvez com algum exagero, que o menino Domingos nunca tivera as manifestações de egoísmo e mesquinhez que são comuns nas crianças. Nunca fizera uma birra. Nunca recusara a sopa. Nunca.
Quando esta história vai ao seu encontro, Domingos é já um homem feito, de uma trintena de anos. Segue pela A5, de manhã, enfiado numa fila desesperada de automóveis, onde só deparamos com rostos agrestes e conflituosos, onde só se vêem condutores prontos a buzinar, a insultar, à espera de um minúsculo pretexto para deixar por um instante a viatura, com o fito de oferecer uma ensinadela ao condutor de trás (leia-se: um par de murros): em todos os carros, raiva mal contida, com a excepção - que os meus leitores previam, certamente - de Domingos Paciência.
O nosso herói ouve rádio, gargalha com as piadas matinais dos locutores, trauteia a última música da Duffy. Domingos Paciência, ah, sim: o apelido adequa-se-lhe como uma luva.
A dado momento, Paciência repara num carro muito velho e sujo, que tivera de estacionar na berma da via. De pé, ao lado desse automóvel, uma mulher idosa, curvada, vestindo, ridiculamente, um colete reflector, parece não saber o que fazer à vida. E no interior do veículo, um homem ainda mais idoso - pelo menos de aparência -, mais enrugado do que Matusalém, com um boné de orelhas enterrado na cabeça, agita-se numa espécie de estertor aflito.
Ninguém, naquela multidão nervosa, quer perder tempo com aqueles dois, ninguém lhes liga, ninguém sabe nem quer saber.
Domingos Paciência não resiste ao triste espectáculo da velhice desamparada. Dir-se-ia que dois pormenores, sobretudo, o obrigam a estacionar ao pé do trágico casal para lhes levar conforto e ajuda: o colete reflector, muito verde, mal amanhado sobre a corcunda da senhora, e o boné de orelhas descaídas pela cabeça do homem abaixo.
Não hesita.
Pára o seu automóvel a pouca distância deles.
Abre a porta. Dirige-se ao casal.
Pelo caminho, observando a expressão bizarra dos dois, a linguagem corporal deles, que lhe parece de receio, pensa: «Querem ver que eles se assustam comigo? Ainda pensam que os vou assaltar...! Coitados! Ao que este mundo chegou. Estão de tal modo longe de imaginar que alguém se preocupe com eles, que...»
E, pensando assim, agita os braços no ar, procurando acalmá-los, sem deixar de se aproximar:
- Calma, amigos! Vou ajudá-los! Então, que se passa?
A gestualidade dos velhos parece-lhe, cada vez mais, de uma estranhíssima e inexplicável angústia. A mulher berra-lhe algo. Por causa do vento, não lhe entende a voz frágil. De modo que Domingos Paciência não vê alternativa senão continuar gritando:
- Calma, amigos! Calma, amigos! Eu ajudo-vos!
É já quando está muito próximo, a três, quatro passos, que descobre, em primeiro lugar, que a senhora lhe aponta o que pode bem ser uma arma; e em segundo lugar, que as suas palavras são estas:
- Passa para cá tudo. Dinheiro, telemóvel, anéis, jóias. Vá, rápido.
Ao mesmo tempo, o velho do chapéu de orelhas, que tanto o havia comovido, sai do automóvel, empunhando uma espingarda de canos curtos; o homem tem a boca aberta sobre um negrume sem dentes, e acrescenta:
- E passa para cá a placa!
terça-feira, abril 08, 2008
AUTORIDADE OU AUTORIDADE?!
Todos perceberam, no decorrer de um pretérito «Prós e Contras», que a Dra. Joana Amaral Dias, carregada de pergaminhos académicos como algumas senhoras-bem carregam os dedos de cachuchos, transporta, lá no fundo, sob aquela prosápia, poucas ideias, quase nenhuma interessante, e muitos mitos. Sobre a «autoridade» dos professores? Bem esprimido esse tópico, o que ela tem a ensinar-nos, e de graça, é esta pérola: em si, a autoridade seria um instrumento ideológico através do qual a burguesia se impõe. Vale a pena acrescentar algo? Não, pois não? Está bem, adeus!
Ao lado dela, ora se sentava, ora se acocorava um pouco sobre a cadeira para dizer umas quantas coisas, o eminente filósofo português José Gil, segurando sempre uma misteriosa folha na mão, folha essa que ninguém chegou a perceber o que era ou para que servia.
Acho alguma piada quando se dão ao incómodo de convidar um ilustre pensador para, com a devida reverência, o vermos e ouvirmos desfiar um rosário de banalidades. Pois o quê, que perorou, o autor de «Portugal, o Medo de Existir», acerca da autoridade? Em que consistiu, em suma, a lição do senhor sobre o assunto? Nisto. Que a autoridade se ganha. Que se conquista! Que emana de uma aura que certas pessoas têm - os verdadeiros professores!
Ora bolas. É uma banalidade digna de Mário Soares, o maior banalão que o nosso triste país de banalões e banalonas já foi capaz de dar à luz.
No meio, ficou completamente esmagado um senhor professor que tentara defender, contra os ventos e as marés dos grandes doutos, a simples ideia de que a autoridade dos professores lhes é delegada pelo Estado. Ponto. Estatuída pelo ministério da Educação de um governo legitimamente eleito.
Não?! Afinal não? A autoridade é unicamente um dom psicológico? Não tem contornos legais nem jurídicos? Não tem qualquer carácter institucional? É um poder de hipnotizar e ganhar o respeito pela simples presença?
Sejamos sérios. As duas autoridades existem. E não se confundem, embora uma possa estar mais ameaçada do que outra, nestes tempos conturbados.
O ensinante que conquista a turma pela sua força interior ou pela própria personalidade, será, certamente, um excelente mestre.
Mas era o que faltava que, aos que não têm esse sublime poder do olhar, da voz ou das ideias, ou aos que o têm mas, por acaso, se esqueceram dele ou não o encontram num dia mau, só restasse estarem, por força, sujeitos ao achincalhamento de garotos a quem os pais não ensinam quaisquer rudimentos de civismo e de civilidade.
Por mim, gosto sempre de me ficar a imaginar as Joanas Amaral Dias e os Josés Gil deste Portugalzinho de mentes estreitas a exercer a sua fascinante autoridade interior junto de umas turmas que eu cá sei...
Ao lado dela, ora se sentava, ora se acocorava um pouco sobre a cadeira para dizer umas quantas coisas, o eminente filósofo português José Gil, segurando sempre uma misteriosa folha na mão, folha essa que ninguém chegou a perceber o que era ou para que servia.
Acho alguma piada quando se dão ao incómodo de convidar um ilustre pensador para, com a devida reverência, o vermos e ouvirmos desfiar um rosário de banalidades. Pois o quê, que perorou, o autor de «Portugal, o Medo de Existir», acerca da autoridade? Em que consistiu, em suma, a lição do senhor sobre o assunto? Nisto. Que a autoridade se ganha. Que se conquista! Que emana de uma aura que certas pessoas têm - os verdadeiros professores!
Ora bolas. É uma banalidade digna de Mário Soares, o maior banalão que o nosso triste país de banalões e banalonas já foi capaz de dar à luz.
No meio, ficou completamente esmagado um senhor professor que tentara defender, contra os ventos e as marés dos grandes doutos, a simples ideia de que a autoridade dos professores lhes é delegada pelo Estado. Ponto. Estatuída pelo ministério da Educação de um governo legitimamente eleito.
Não?! Afinal não? A autoridade é unicamente um dom psicológico? Não tem contornos legais nem jurídicos? Não tem qualquer carácter institucional? É um poder de hipnotizar e ganhar o respeito pela simples presença?
Sejamos sérios. As duas autoridades existem. E não se confundem, embora uma possa estar mais ameaçada do que outra, nestes tempos conturbados.
O ensinante que conquista a turma pela sua força interior ou pela própria personalidade, será, certamente, um excelente mestre.
Mas era o que faltava que, aos que não têm esse sublime poder do olhar, da voz ou das ideias, ou aos que o têm mas, por acaso, se esqueceram dele ou não o encontram num dia mau, só restasse estarem, por força, sujeitos ao achincalhamento de garotos a quem os pais não ensinam quaisquer rudimentos de civismo e de civilidade.
Por mim, gosto sempre de me ficar a imaginar as Joanas Amaral Dias e os Josés Gil deste Portugalzinho de mentes estreitas a exercer a sua fascinante autoridade interior junto de umas turmas que eu cá sei...
segunda-feira, abril 07, 2008
O RETORNADO
Deixei de falar acerca do meu cão Dunga. A razão é bem simples: se, ao princípio, ele e a minha recém-nascida filha se cheiravam mutuamente, com uma medrosa curiosidade, aos poucos a relação entre ambos foi-se tornando mais tensa. Suponho que é pelo facto de o Dunga ser, por natureza, um vira-latas: não apreciava que a petiza lhe batesse com a pazinha de plástico no focinho. Chegou a ganir de dor, o monstro.
Não tivemos alternativa senão abandoná-lo um dia. Estava a brincar; escrevi isto só para fazer estremecer os meus leitores mais sensíveis! Ai que divertido! Não. O que fiz foi, um dia em que a minha tia, chorosa, me veio molhar de lágrimas o ombro pela perda da sua delicada e dedicada cadela, propor-lhe, generosamente, que ficasse com o Dunga. Estávamos dispostos ao sacrifício. Eu estava preparado para o terrível sacrifício de não ter de andar a tropeçar todos os dias num cão lãzudo, de não o ver pisgar-se-me nas barbas mal apanhava uma fresta de portão aberto, de não ter de andar, à noite, por São Domingos de Rana, sozinho, de lanterna em punho, à procura dele e, sobretudo, de não ter de o separar da minha filha quando a meiga criança lhe arreava um pontapé no focinho ou lhe puxava os bigodes!
O cão foi passar uma temporada à tia Glorinha.
E deu-se bem, o malandro. Engordava, acalmava a olhos vistos, tornava-se o verdadeiro homem naquela casa de mulheres.
Às vezes, a tia Glorinha trazia-o para ele nos visitar. (Tinha de ser, nunca conseguimos convencê-la que escusava de se incomodar...) O Dunga portava-se bem. Só afinava, se e quando temia que o quiséssemos guardar connosco no momento em que a tia se despedia de nós. A suspeita de que a minha mulher o fosse arrancar ao carro da tia, onde já se instalara para se ir embora, bastou, um dia, para lhe desatar a ladrar.
A temporada foi-se alargando. Não era só o Dunga que acalmava. Longe dele, eu próprio comecei a andar mais calmo. Já não pensávamos em que ele voltasse. Sacrificávamo-nos, pois!
O problema surgiu, agora, porque a tia Glorinha e a filha resolveram ir visitar o meu primo, que se mudara para os Estados Unidos. Com quem ficaria o Dunga? Com quem está a ficar? Adivinhem!!!
A tia e o Dunga chegaram, portanto. Eu estava estupidamente frio nesse dia em que recebi o melhor amigo do homem!
Houve muitas recomendações.
Dizia-nos a tia:
- Desta vez, pelo amor de Deus, tenham muito cuidado com o portão. Não se esqueçam dele aberto! Temo sobretudo pela mulher-a-dias. A vossa rapariga é meio-esgroviada. Com ela, o Dunguinha foge sempre. Anda cá, Dunguinha. Dá um beijo à dona. Portas-te bem, não portas? Vou ter saudades tuas. E tu, ouviste, Gil? Pelo amor de Deus, querido, cuidado com o portão!!!
Dizendo isto e acrescentando, a isto, mais cento e dez recomendações deste jaez, a tia Glorinha desandou com uma lágrima ao canto do olho. Esqueceu-se do portão aberto. Parece mentira? Não é mentira!
Deixei o Dunga ir ao quintal beber água; o Dunga viu o portão aberto; pensou: «Olha!?»; raspou-se...
Quando lhe estranhei o silêncio e a demora, saí, por minha vez, de casa, chamando, pobre e inocente tolo, «Dunga?! Dunga...?!», notei o portão escancarado, pensei, também eu, «Olha!», amaldiçoei o mundo, a vida, as tias, as filhas, os animais de estimação em geral, o Dunga em particular.
E parti à procura dele - que, entretanto, se enrolara já com o cão do vizinho.
Não me quis meter entre dois cães. Cobardemente, mandei o meu filho.
O qual regressou depressa:
- Eu não o trago. Que nojo! Estava a lamber a pila do cão do vizinho.
- Sabes perfeitamente que não quero que digas essas palavras!
- O quê, «lamber»?!
- E não se faça engraçadinho, senhor Duarte. Percebeu-me perfeitamente, não se arme em esperto.
Em suma: vão ser quinze dias disto.
Não tivemos alternativa senão abandoná-lo um dia. Estava a brincar; escrevi isto só para fazer estremecer os meus leitores mais sensíveis! Ai que divertido! Não. O que fiz foi, um dia em que a minha tia, chorosa, me veio molhar de lágrimas o ombro pela perda da sua delicada e dedicada cadela, propor-lhe, generosamente, que ficasse com o Dunga. Estávamos dispostos ao sacrifício. Eu estava preparado para o terrível sacrifício de não ter de andar a tropeçar todos os dias num cão lãzudo, de não o ver pisgar-se-me nas barbas mal apanhava uma fresta de portão aberto, de não ter de andar, à noite, por São Domingos de Rana, sozinho, de lanterna em punho, à procura dele e, sobretudo, de não ter de o separar da minha filha quando a meiga criança lhe arreava um pontapé no focinho ou lhe puxava os bigodes!
O cão foi passar uma temporada à tia Glorinha.
E deu-se bem, o malandro. Engordava, acalmava a olhos vistos, tornava-se o verdadeiro homem naquela casa de mulheres.
Às vezes, a tia Glorinha trazia-o para ele nos visitar. (Tinha de ser, nunca conseguimos convencê-la que escusava de se incomodar...) O Dunga portava-se bem. Só afinava, se e quando temia que o quiséssemos guardar connosco no momento em que a tia se despedia de nós. A suspeita de que a minha mulher o fosse arrancar ao carro da tia, onde já se instalara para se ir embora, bastou, um dia, para lhe desatar a ladrar.
A temporada foi-se alargando. Não era só o Dunga que acalmava. Longe dele, eu próprio comecei a andar mais calmo. Já não pensávamos em que ele voltasse. Sacrificávamo-nos, pois!
O problema surgiu, agora, porque a tia Glorinha e a filha resolveram ir visitar o meu primo, que se mudara para os Estados Unidos. Com quem ficaria o Dunga? Com quem está a ficar? Adivinhem!!!
A tia e o Dunga chegaram, portanto. Eu estava estupidamente frio nesse dia em que recebi o melhor amigo do homem!
Houve muitas recomendações.
Dizia-nos a tia:
- Desta vez, pelo amor de Deus, tenham muito cuidado com o portão. Não se esqueçam dele aberto! Temo sobretudo pela mulher-a-dias. A vossa rapariga é meio-esgroviada. Com ela, o Dunguinha foge sempre. Anda cá, Dunguinha. Dá um beijo à dona. Portas-te bem, não portas? Vou ter saudades tuas. E tu, ouviste, Gil? Pelo amor de Deus, querido, cuidado com o portão!!!
Dizendo isto e acrescentando, a isto, mais cento e dez recomendações deste jaez, a tia Glorinha desandou com uma lágrima ao canto do olho. Esqueceu-se do portão aberto. Parece mentira? Não é mentira!
Deixei o Dunga ir ao quintal beber água; o Dunga viu o portão aberto; pensou: «Olha!?»; raspou-se...
Quando lhe estranhei o silêncio e a demora, saí, por minha vez, de casa, chamando, pobre e inocente tolo, «Dunga?! Dunga...?!», notei o portão escancarado, pensei, também eu, «Olha!», amaldiçoei o mundo, a vida, as tias, as filhas, os animais de estimação em geral, o Dunga em particular.
E parti à procura dele - que, entretanto, se enrolara já com o cão do vizinho.
Não me quis meter entre dois cães. Cobardemente, mandei o meu filho.
O qual regressou depressa:
- Eu não o trago. Que nojo! Estava a lamber a pila do cão do vizinho.
- Sabes perfeitamente que não quero que digas essas palavras!
- O quê, «lamber»?!
- E não se faça engraçadinho, senhor Duarte. Percebeu-me perfeitamente, não se arme em esperto.
Em suma: vão ser quinze dias disto.
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