terça-feira, abril 22, 2008

OS RATOS DO GUARDA-FATOS [III]

De maneira que tive de urdir um plano.
Comecei a tecê-lo, com a pérfida minúcia e a paciência da aranha, num dia em que o um dos vizinhos me veio devolver, por uma orelha, o meu próprio filho que, segundo ele, lhe amassara as petúnias - julgo que seriam petúnias... - sob a inclemente roda da bicicleta.
Ora bem! Sinto uma extrema comoção quando vejo o meu filho montando a sua bicicleta colorida. Dá-me uma dor funda no peito, algo como piedade, sempre que o miudo passa, diante dos meus olhos, com um absurdo capacete às três pancadas. Poquê piedade, porquê um tão deslocado sentimento? Talvez porque haja, naquele capacete esverdinhado, com figuras dos Simpson estampadas, qualquer coisa de ridículo e profundamente infantil, que faz chegarem-me as lágrimas aos olhos. (O menino tem quinze anos, que diabo!) Mas como explicar isto a um vizinho implicativo? Não são capazes de mo dizer? «Amassou-me as petúnias!», grita ele. (Ou seriam begónias?!) Poderia eu, acaso, responder-lhe: «Sim, é possível, coitadinho, mas já reparou no ridículo capacete que traz enfiado na cabeça? Já observou bem os bonecos dos Simpsons? Deixe-o lá estar, pobre puto...!»

De modo que aceitei a entrega do rapaz, jurei ao vizinho que ralharia convenientemente, prontifiquei-me a pagar as flores, fossem lá elas o que fossem, mas mais tarde, assim que topei o homem distraído, fotografei-lhe o rosto infame, a malvada fuça; depois, fui recortando roupas que achei em páginas das revistas de moda masculina, colei belíssimos casacos Hugo Boss, ou camisolas Benneton, em papel lustroso, ao corpo fotografado do vizinho, fiz daquilo cartazes, e colei os ditos nas paredes do meu quarto, de frente para o guarda-fatos, chamando a atenção dos ratos, como quem insinua: «Gostam de roupas? Hum?! Das boas, das caras, hein? Já viram quem tem disso? Vejam, ora vejam. Olhem para este senhor na fotografia. Não me dizem nada? O casaco cintado? A calça em estilo italiano? A peúga axadrezada?»

Partindo do princípio de que aqueles ratos eram, de facto, seres inteligentes, coloquei ainda, de modo muito visível, ao lado da série de fotos do senhor Ronaldo, um diagrama do caminho mais curto para lhe chegarem a casa.
Ri-me. (Ah, eu sou terrível, sei que sim, sei que consigo tornar-me quase excessivamente mau).
E aguardei!

(CONTINUA)

1 comentário:

zorbas disse...

Boa estratégia! Fico ansioso para saber se resulta. Só preciso de saber onde os vou caçar!...