domingo, abril 05, 2009

DIÁRIO DO OBSERVADOR

3 de Abril de 2057

A minha missão é peculiar. E, como os Dupondt, diria mesmo mais: trata-se de uma missão peculiar, a minha.

A frase que devo ter sempre em mente é esta: «Todas as coisas carecem de um novo passado».
Quando ouvi pronunciá-la pela primeira vez, pensei que o Mestre estivesse a dizer poesia. Pareceu-me um verso particularmente belo. O mestre tinha um copo, suponho que de Whisky, na mão muito peluda e, fazendo-o reflectir à luz do candeeiro, prosseguiu: «Este copo carece de um novo passado». Olhou em redor; apontou uma rosa numa jarra: «Esta flor precisa de um novo passado». Imbuía-me da ideia. A frase, chamemos-lhe assim, agarrou-me, primeiramente, pela sua beleza. Só mais tarde me agarrou pela minha inteligência. Ou talvez não: talvez ainda me não tenha agarrado completamente pela inteligência. Talvez ainda a não compreenda perfeitamente.

Mas estou estritamente subordinado ao protocolo que se encontra em todas as estórias de ficção científica: viajando no tempo, não tenho o poder de interferir. Recuando ao passado, não posso salvar as vítimas, ajudar os indefesos, seduzir ou deixar-me seduzir. Todos sabem que os actos de um ser futuro no passado provocariam rearranjos inesperados e, naturalmente, catastróficos.

Sou, portanto, um observador. Um mero observador. Vejo, por exemplo, o grupo de patos que pratica bullying sobre um patinho menor, sem poder espantá-los, nem levar comigo o pato que sofre as investidas dos que dele abusam.

O segredo está em que toda a observação é já, de algum modo, uma interferência. (Se têm dúvidas, perguntem ao gato). E, portanto, observando diferentemente, não actuando sobre coisa alguma, mantendo em relação a tudo a distância rigorosamente exigida, mas, repito, observando diferentemente, espero poder descobrir no emaranhado de linhas que constitui o passado, sem lhes tocar, desenhos possíveis, combinações melhores.

Do mesmo modo que posso olhar para uma pintura de Kandinsky e ver outra coisa, surpreendentemente diversa daquilo que o título sugeria, e com que se pretenderia influenciar-me o olhar.

O Mestre parece crer que é quanto basta para se conseguir, para cada uma das coisas do presente, um passado novo em folha, que as redima. Sem haver tocado em coisa alguma, sem manipular física e materialmente seja o que for.

O Mestre pode ou não estar enganado. A mim, custa muito ver os patos enormes, de bicos ferozes, praticando bullying sobre o patinho feio, e não poder intervir!

1 comentário:

zorbas disse...

Tive que voltar ao dia 24 de Março para perceber o que me estava a escapar do presente deste blog. O Cristo ressuscitou ao 3º dia, eu levei quase um mês...