Claro, caramba!, que também não é caso para se ver o envelhecimento propriamente como um drama. É uma tragédia.
Mas caso, amigo leitor, estas palavras lhe parecem cruéis, pessimistas e, portanto, politicamente incorrectas, sempre posso esclarecê-las melhor: não é a velhice em si que me preocupa. É a velhice em mim.
Dou incontornavelmente de caras com ela, com a velhice em mim, quando a oftalmologista me aconselha uns óculos com janelinhas para ver ao perto. Ou seja, uns óculos para ver ao longe com janelinhas por onde devo olhar quando estiver, por exemplo, a ler. O que é sempre complicado. Imaginem a situação em que eu tenha de olhar bem de frente, olhos nos olhos, uma pessoa próxima - seja um inimigo que se prepara para investir, seja a mulher amada que se prepara para investir...
Bem! Aparentemente, terei então de baixar os olhos (e não alinhá-los numa linha recta com o olhar de quem me olha), de forma a que os nossos olhares se enfrentem, sim, mas enquadrados nas minhas janelinhas...
Mas não, nem foi tanto essa proposta o que mais me incomodou: mas a maneira como a rapariga, muito novinha, me tratava.
«Bem, senhor Duarte, então vamos lá espreitar para esse olhinho, sim? Hmm, estou a ver. Tem de descansar a vistinha, senhor Duarte. Sabe o que lhe está a contecer? Eu já lhe digo, tenho ali uns bonecos muito bonitos que explicam tudo!»
E, de repente, já não tenho mãos, tenho mãozinhas, não tenho queixo, tenho queixinho, ou testinha: «Encoste o queixinho e a testinha neste aparelho, sim, senhor Duarte, vá lá!»
E enquanto eu recusava, num assomo serôdio de dignidade, numa réstea atrasada de juventude, os óculos de lentes progressivas, a menina insistia cada vez nas suas inúmeras vantagens.
Estive quase para lhe perguntar: «Mas para diabo que insiste? Há alguma promoção com a idade, é?»
segunda-feira, abril 06, 2009
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