É evidente que um mundo de intelectuais estaria infinitamente longe da perfeição. Sobretudo se se parecessem todos com o Pacheco Pereira. E que faríamos nós, que faria eu, sobretudo,sem um canalizador? Que faria se me obrigassem a pregar pregos?
Também me não parece imprescindível que as pessoas que se dedicam, por exemplo, à política, tenham de ser intelectuais. Para quê? Onde poríamos o Jerónimo de Sousa? Gostaríamos de um parlamento inteiramente talhado à imagem de Louçã? (Imaginem, sem desmaiar, uma série de Louçãs, da Esquerda à Direita, defendendo Causas diferentes, obviamente, até antagónicas, mas todos eles com a mesma certeza da sua razão, a mesma voz dramaticamente tensa de pessoa incapaz de relaxar e o mesmo nariz?)
O problema é outro: é que, não sendo todos, nem devendo ser todos igualmente intelectuais, os políticos poderiam, então, descobrir o seu jeito e estilo próprios, a sua natureza respectiva. Haveria o Deputado-canalizador, o Deputado-torneiro-mecânico, o Deputado-desempregado e por aí fora. Quando (perdoem-me o aparente snobismo) um político que nada tem de intelectual, como o Mendes Bota, quer por força fazer-se passar por tal, o resultado só pode ser penoso. Mendes Bota a querer convencer-nos de que é intelectual, dá bota, pela certa.
O senhor José Sócrates funciona, neste particular, como um exemplo terrível.
O convívio prolongado tem destas coisas: tendo convivido com Guterres que, diga-se o que se disser, é um homem de letras, apesar de Engenheiro (Engenheiro-a-sério), que fala com fluência e à-vontade diversas línguas, ouve música clássica, compra o Times, The Independent, Corrieri de la Sera, Le Monde e leu, em inglês, os escritos de Churchill (dos quais, aliás, tirou pouco proveito prático); tendo convivido com Durão Barroso que, diga-se o que se disser - e espero que se diga bastante mal -, é um sujeito com alguma cultura, posto que lia, na juventude, Mao Tse Tung, e que fala o seu inglês e o seu francês, José Sócrates albergou sempre o sonho secreto, inconfessado, de ser como eles.
Em mais do que uma entrevista, desatou a perorar - sempre muito a despropósito - de livros que o teriam marcado, logo a ele, tão rígido que dificilmente se deixaria marcar por um livro, a não ser que fosse uma lista telefónica caindo-lhe em cima...; em vários momentos, puxou do seu inglês técnico, incorrecto e incompetente, sem pudor nem vergonha. Em vários momentos semeou citações, procurou trepar até ao pináculo das ideias, dos debates filosóficos, da fundamentação teórica.
Não é que o não possa. Não é que, para o fazer, tenha de ser membro de um clube com uma indicação à porta, no género de: «Pessoas sem Cultura não Entram»; e não pensem que o digo por mim, como se me causasse alguma repugnância cruzar-me, num clube de intelectuais, com não-intelectuais a fingir que o são. Trata-se, para começar, de algo que eu não quero parecer de modo algum: e se não tenho remédio senão reconhecer que o sou, «tecnicamente», por ofício e formação, esclareço que não me reconheço na imagem, nem no folclore, nem, digamos, no uniforme que haveria que vestir. Retomo, aí, a deliciosa ironia de Groucho Marx: «Nunca aceitaria fazer parte de um clube que se rebaixasse a aceitar-me como sócio».
E, portanto, o que me incomoda é simplesmente o puro jogo das aparências. O faz-de-conta. O passar-se por. Sem mais.
Santana deixando-se fotografar com Le Monde Diplomatique sob o braço, ou confessando que a sua música preferida sempre foi um certo «Chopin para violino», ou Sócrates citando as obras que lia na adolescência, quando, na prática, tem quem tem no Ministério da Cultura e tem quem tem no Ministério da Educação, são coisas que não poderiam deixar de me provocar uma leve náusea.
Leve. Só. É um desabafo.
quinta-feira, dezembro 13, 2007
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