quinta-feira, dezembro 06, 2007

UNS PASTELINHOS MUUUITO TENRINHOS. SEGUNDO CAPÍTULO

Perante aquilo, com um arrepio quase doloroso, James Lawford voltou a enfiar-se todo no automóvel. Deixou-se estar uns segundos parado, quieto, sem saber o que fazer. Respirava com dificuldade. Relâmpagos desaustinados eram cuspidos, como se em frustradas tentativas de queimar tudo em seu redor. Olhou, inseguro, para a janela da casa. O rosto cadavérico desaparecera. Ou melhor, a vela extinguira-se, ou alguém a apagara, e já não se via nessa janela senão um rectângulo de negrume.
James considerou a hipótese de sair do carro e tocar à campaínha - se é que a casa possuía alguma. Respirou fundo, como para ganhar coragem. Ou tempo. Começou a contar em voz baixa, pensando: «Se não acontecer nada, se não aparecer ninguém quando eu chegar aos dez... não, aos vinte... vou até à porta... seis... sete...»

Nesse preciso instante, percebeu que havia uma face brusca colada ao vidro do seu automóvel.
Teve um sobressalto. Encostou-se ao banco, entre dois relâmpagos.

Era Mrs. Miriam, que lhe trazia Leo, escoltados ambos pelo filho adoptivo da senhora, de guarda-chuva em punho, um guarda-chuva que só lhe fazia lembrar, tetricamente, as asas de um morcego.
Abriu a porta do carro. Leo entrou, molhando os estofos. James abriu o vidro para dirigir a palavra à senhora:
- Já estava aqui há um bocado a chamar. Buzinei. Até gritei que era eu, mas o seu marido, lá em cima, à janela, não deu por nada...
- Meu...? -, enervou-se Mrs. Miriam. - Não, não, não. Ah, já sei. Deve estar a referir-se ao crucifixo. É um Cristo que está ali, no quarto. Em noites de temporal, trago-o para o pé da janela. Ora. São as nossas manias!
Passava-lhe, para as mãos, uma caixinha de pastéis. Depois, a senhora falou para Leo, o qual esperava, muito silencioso, muito molhado, como se estivesse perturbado com alguma coisa.
- Mas amanhã, menino, vai ser como eu digo, hein? Primeiro, estudam. Depois, é que vão conversar...
James fechou bruscamente a possibilidade:
- Ah, mas amanhã não, Mrs. Miriam, amanhã o Leo não vai poder vir porque... porque... tem outras coisas que fazer.
A senhora olhava-o. Era um olhar de viva reprovação, que nem a água dos céus, que os separava um do outro, como uma cortina líquida, conseguia atenuar.
Ele sentia-se culpado por esta sua recusa ingrata, ao mesmo tempo que segurava, entre as mãos enluvadas, os pastelinhos que a senhora acabara de lhe oferecer.
Mas cortava a vinda de Leo, como se o protegesse de um mal. Tremia de frio e de nervoso. A tenebrosa e cadavérica figura à janela da casa ainda lhe rangia no espírito. Um crucifixo?! Qual! Impossível. Aquilo movera-se. Juraria. Impressão sua...?

(CONTINUA)

2 comentários:

lara_1012 disse...

Oh meu Deus, despacha-te com o próximo, estou a ficar inquieta! E esses pastelinhos estão a deixar-me muuuuuuito desconfiada :)

zorbas disse...

Mais tenebroso é a figura daqueles quadros em que o Cristo tem o coração na mão rodeado de espinhos. Se lhe juntares na mesma parede a Senhora Sua Mãe em igual atitude, compreenderás o terror de uma infância que em sua própria casa possuía os dois exemplares!...