terça-feira, dezembro 11, 2007

UNS PASTELINHOS MUUUITO TENRINHOS. QUINTO CAPÍTULO

O homem olhava-o, com uma espuma esbranquiçada entre os lábios entreabertos.
James pensou: «Tenho medo disto!»
Porquê? Bem: porque o Cadáver lhe confessara tanto sobre si mesmo, que, certamente, não o deixaria sair dali vivo. Como o libertaria, se lhe havia contado até que era um ser sem identidade (e assim quereria permanecer, sem dúvida), que nada, nenhum documento, registo algum provava, sequer, que existia? Pior: como o libertaria, depois de lhe ter dito que matara a velha?
(Ah, sim, James Lawford não tinha a menor hesitação acerca desse pormenor; soubera ler nas entrelinhas, soubera interpretar o eufemismo quase delicado: «Eu já não podia suportá-la mais», sussurrara-lhe Caveira Crucificada, «e ela morreu».)

Contudo, imediatamente a seguir, foi-se compenentrando de que, afinal, não tinha medo. Medo de quê? Porquê? Caveira Crucificada expusera-se de mais - e a verdade é que nós só tememos o que não vemos inteiramente, o que se nos oculta em parte, o que se resguarda na sombra. Caveira mostrara-lhe os seus ridículos. Era penoso de ver, não terrível. Respirava mal, cansava-se facilmente. Tinha orelhas grandes. Que mal poderia advir, a James, daquela figura patética, agora que não era um simples, tenebroso e desconhecido vulto à janela, entre relâmpagos, mas um pobre de Cristo?

Nesse momento, Mrs. Miriam surgiu.
Trazia uma pá na mão.
James Lawford reparou que Cadáver principiara a tremer, como se a presença da senhora o atemorizasse.
- Ah, Mrs. Miriam, trouxe a pá, que bom. Vamos? - perguntou James.
A senhora não o olhava. Fitava Cadáver.
- Não pode ir agora, Mr Lawford.
- Porquê?
- Porque ainda está a chover muito.
Cadáver calara-se. Babava-se. Parecia, mais do que nunca, um cadáver, um Cristo crucificado, um doente.
- Mas tenho de ir, Mrs. Miriam. Leo está à minha espera.
- Ah, pois, isso é outra coisa que eu tinha para lhe dizer. Afinal, enganei-me. Penso que Leo ainda cá está.
- Mas tinha-me dito...
- Pois disse, eu sei. Julguei que. Julguei que. Mas afinal não. Afinal não. Desculpe. Ouvi-os a falar, quando passei pelo quarto. São tão amiguinhos. Estão lá os dois. A estudar, é claro.
Cadáver pusera-se de costas, como para se entregar totalmente ao calor da lareira. Voltou-se de novo para ela:
- Mas, Miriam, não seria melhor...?
Mrs. Miriam olhou Cadáver nos olhos, segurando na pá com uma força nervosa.
- Sobe! - disse-lhe, simplesmente.
Deu dois passos. Como se não se tivesse movido do mesmo lugar. Como se não houvesse, na ligeira aproximação, propriamente uma ameaça.

(CONTINUA)

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