quarta-feira, junho 10, 2009

ÀS VEZES PERGUNTO-ME SE, COMO EDUCADOR...

Pois eu, que tenho vizinhos tão antipáticos, descubro naquele meu vizinho simpático e que cheira mal da boca uma personagem deliciosa, embora, por razões diferentes, mas óbvias, me vá procurando manter afastado de todos eles...

Estou com os meus dois rebentos no carro. O vizinho surge do nada, debruça-se sobre a janela do veículo, num gesto generoso de que depois se salvará limpando-se e sacudindo vigorosamente o cotovelo (porque, confesso, o meu bólide tem sempre um ar muito sujo; e é que talvez não seja só o ar, talvez, aqui, o ar corresponda mesmo aos factos...) .

Ele tem, coitado, sob a halitose que empesta o cubículo da viatura em que enfiou a cabeça e parte do tronco, um cravo que estende à minha Daisy.
Daisy recebe o cravinho. Não agradece. Amua. Emburra. Embirra.
Enquanto, ao volante, no fundo aguardando uma sucessão de vergonhas, vou, porém, retoricamente teimando, «Então, Daisy? Não agradeces ao vizinho? Diz obrigado, filha...», ao lado dela, o mano Dudu, furioso com a reacção da menina, lhe arranca das mãos a flor e bate uma, outra e outra vez com ela no joelho nu da petiza. Está a discipliná-la. Diz obrigado, diz obrigado, diz obrigado, insiste. O vizinho afastou-se da janela, já nervoso, já triste e ainda com mau-hálito. É um alívio. Relativo.

Arranco vagaroso e coradíssimo, deixando lá para trás o simpático homem com o ar infeliz das grandes ocasiões e a camisola com duas espécies de cotoveleiras que não são senão o sujo que lhe ficou agarrado por se apoiar à janela do meu carro; vejo, pelo espelho retrovisor, nos bancos de trás, o meu filho, ainda furibundo, a minha filha, chorando muito e um cravinho arruinado...

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