Gosto muitíssimo de poesia.
Considero, contra o Espírito do Tempo, a experiência poética, quer como poetante, quer como leitor de poesia, uma das experiências inúteis mais gratas que há. Em parte, porque diz respeito às palavras e eu tenho um bom «ouvido da língua», por analogia com aquelas pessoas de quem se diz terem um bom «ouvido musical».
De certa forma, aliás, a poesia tem ainda que ver com música: quando se trata do poema, o «ouvido da língua» é mesmo uma espécie de «ouvido musical», tornando clara e indiscutível, neste caso, a afirmação de Walter Pater, segundo a qual «toda a Arte aspira à condição de música».
Mas, mais do que a sonoridade, mais do que essa musicalidade contida num verso feliz, a poesia interessa-me como campo fértil ao jogo das palavras, à surpresa e ao espanto que elas possibilitam sempre que se trata de fugir ao lugar comum e ao modo de falar anónimo, de toda a gente, todos os dias: sempre que se trata de a levar a dizer o que ainda há um instante era o indizível. Ao que era somente um pressentimento. Era um sentimento. Era uma visão. (Chamei, estranhamente, Ouvisões ao projecto que, na Biblioteca da minha escola, animei em torno da «experiência poética»...)
Um dos meus poetas predilectos é Leopardi.
Poderia dizer que me encanta a conciliação entre a forma clássica, belíssima, bebida em Homero, Píndaro ou Anacreonte, e um pessimismo a que sou muito sensível, romanticamente triste e negro.
Há um poema seu que se chama O Infinito. Não vou transcrevê-lo, vou relê-lo.
Principia por falar de algo tão simples como «esta erma colina» e uma sebe que retira ao seu olhar a possibilidade de alcançar o extremo do horizonte. E tudo isto são palavras e expressões lindíssimas, a «sebe que, por diversos lados, ao olhar exclui» o que este buscaria, ou, por exemplo, esse «extremo do horizonte» que é, literalmente, o «último horizonte» (Dell'ultimo orizzonte).
E, depois, diz-nos como, olhando «intermináveis espaços para além dela», da sebe (e hesito, esperando pela ajuda tradutora de quem saiba mais italiano do que eu: «interminati» será realmente «intermináveis» ou, por exemplo, «intermitentes»?), intermináveis espaços e «sobre-humanos silêncios» (não é belo? não é belo? eu não dizia...?), sente, bruscamente, um baque. Ou quase. Não chega a sê-lo. «Ove per poco il cor non si spaura»: então por pouco o coração não se sobressalta. Ouve o sussurrar do vento sobre o infinito silêncio, o silêncio como absoluto fundo desse murmúrio - e é o silêncio mal quebrado, mais o pressentimento intermitente do vasto horizonte (que, no entanto, lhe está excluído, roubado ao olhar), o que lhe dá a ideia de uma vastidão, de uma imensidão sem fim.
E termina, musicalmente, com a perturbadora expressão do prazer de um naufrágio:
Cosi tra questa immensità s'annega il pensier mio: E il naufragar m'è dolce in questo mare.
«Assim, no meio desta imensidade se afoga o pensamento [ou: o pensar?] meu: e o naufragar me é doce neste mar.»
Então? Então? Eu não vos dizia?
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1 comentário:
Serei snob por um instante: a mim faz-me mais sentido que não seja "intermitente".
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