Realizo penosos exercícios em demanda urgente de um nirvana.
Eis, aliás, uma porta de entrada: por que serei eu este corpo sentado sobre uma cadeira e não esta cadeira sobre a qual pesa um corpo?
Sou uma cadeira. Sou uma cadeira. Sou uma cadeira. Sinto como minha esta perna cinzenta de ferro. O meu coração bate algures no assento de madeira. Aquele pé humano não é o meu. Aquele pé que enverga uma sapatilha castanha comprada numa promoção do Lidl não me pertence. Porque eu sou uma cadeira. Mas o pé humano não deixa de ser vaga e preguiçosamente interessante. A sapatilha tem pontinhos. Serei capaz de os contar? Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, dezasseis, vinte e cinco, trinta e sete. Ora. Estou a aldrabar. Já não me apetece contar. Oiço o tiquetaque de um relógio. Lento, lento, lento. Lento, lento, lento. Não se trata do meu relógio porque, como já assentámos, sou uma cadeira. «Assentámos» é, pois, o mot juste. (Devo ser uma cadeira poligolota.) A menos que tenha deixado de ser cadeira. Sou o tiquetaque. Meu Deus, sou um tiquetaque: é então assim que se sente um tiquetaque: nada de corpo, nada de olhos ou de cabelo, nenhuma comichão nem eczemas ou outras doenças de pele, nenhum sono ou fome, nem pés dormentes...
Uma folha. Se calhar sou uma folha.
Hã?! Folha...?
O quê? Há um diabo de um aluno, na porra interminável que é este exame que estou precisamente a vigiar, que me pede nova folha?
Ainda falta uma hora para o exame acabar? Hora e meia?
Ah! Quem me dera ser tiquetaque...!
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