sexta-feira, novembro 18, 2005

BARATA MOURA: REGRESSO AO FUNGAGÁ?

kaostico
Conheci de ouvido o Barata Moura talvez no fim dos anos setenta, quando ele era um alegre baladeiro, de barba encaracolada e viola em punho. Sei que, para além da intervenção contra a burguesia, também cantava para as crianças: o Joana Come a Papa, A Banda do Maestro Pinguim, A cidade do Penteado e outras, que talvez ainda hoje atiremos aos nossos filhos, eram a marca do Barata Moura - havia um disco seu chamado «O Fungagá da Bicharada»

Conheci um outro Barata Moura, talvez nos anos oitenta, na Universidade de Lisboa: era Professor de Filosofia; estou a vê-lo sobre o estrado do anfiteatro, a mesma barba encaracolada, os óculos de aros grossos, a imitar tartaruga, escorregando pela cana do nariz, a voz poderosa e bem colocada, mas para nos lançar na luta-livre da reflexão filosófico-política. E, precisamente pelo desnível entre estes dois Barata-Mouras, o das cantigas infantis e o das filosofias maduras, pelo reconhecimento de uma tão paradoxal diversidade na pessoa, deixei-me arrastar, hipnotizado, adorando-o secretamente, usando cada uma das suas palavras como degrau interior.

Tornei a reencontrá-lo, muito mais tarde, como Orientador de um inesquecível Seminário de Mestrado: Kant, Hegel, Fichte, o idealismo alemão sob a lente de Marx, que tudo invertia e renovava...

Nunca mais o ouvi cantar. Nem, entretanto, falar. Tornara-se Reitor da Universidade, perdi-o de vista. Reencontrei-o no outro dia, no ecrã da minha televisão, muito «Reitor», muito cheio de si, debitando lugares-comuns perante uma entrevistadora reverente e uma assistência maravilhada, concordando, respeitoso, dialogante, com um outro interveniente, Dom Policarpo, para, um minuto depois, retorquir com uma estranha má-criação à intervenção de uma pobre Maria José Nogueira Pinto, do alto de um pedestal que levava consigo, paternalista, douto, superior, implacável, só tornando a serenar, a seguir, diante das palavras, novamente, de Dom Policarpo...

De certo modo, tudo isto me entristeceu. Neste Barata Moura que se acerta com o quase-Papa e reduz grosseiramente a outra pessoa a nada, tive dificuldade em reconhecer o filósofo dos meus intemporais tempos da universidade - como se o estatuto de Reitor houvesse exercido um terrível e triste efeito no seu espírito.

Se ao menos, em vez de nos deixar assistir ao espectáculo de ficar completamente gagá, regressase uma última vez, por alguns instantes, ao Fungagá...

Sem comentários: