Mentiria se vos dissesse que sou um fã de José Saramago. Não sou: moralmente, a arrogância que emana da sua personalidade, a rudeza e a má-criação no trato com os outros, a convicção de que o país lhe deve um pouco da glória que nos empresta, indispõem-me; politicamente, a estreiteza da sua visão, o maniqueísmo das suas tomadas de posição - para já não falar de um passado conhecido de intolerância - arrepiam-me; literariamente, a banalidade de certas ideias, o traço demasiado grosso e sem subtileza das suas tentativas de ironia, nunca me convenceram. O que dá um todo pessoal-literário quase odioso, embora, claro, uma coisa seja a vida, outra a obra. Salvaria, então, da obra, se, naufragando, tivesse ainda tempo para escolher alguns dos seus livros, O Memorial do Convento, O Ano da Morte de Ricardo Reis, O Evangelho Segundo Jesus Cristo e, agora, este As Intermitências da Morte, que estou ainda lendo. O resto - ou nada acrescenta, ou pouco vale.
E, todavia, o escritor Saramago, que seria (e é), no fundo, isto e nada mais do que isto, nada mais do que esta pobreza, cresceu para além de si, ofereceu-nos outra coisa. Não evoluiu realmente, não se tranformou (basta lê-lo para ver que a pasta da sua escrita é, no essencial, a mesma pasta imperfeita), mas abriu-nos para algo diferente de si. Essa escrita - tão criticada mas, ao mesmo tempo, tão imitada - que podia nada mais revelar senão o recurso estilístico que consiste em, numa mesma frase, longa, única e confusa, juntar diversas falas, a do narrador e a de muitas personagens, num diálogo que subsume, em uma só voz, uma voz múltipla, acabou porém, quase contra o próprio autor, por ganhar insuspeitadas dimensões, vagas ressonâncias, que marcam, abrem, renovam. Encontramos neste estilo em que Saramago tropeçou, um sentido que é já mais do que Saramago, e possibilita o que não estava nem no talento nem na capacidade deste homem.
Mas este «acrescento» é, também, o que encontro em Manuel Alegre, o Candidato à Presidência.
Temos um homem de partido. Com um passado que coincide com a génese e com a história do PS, feito de lutas contra o exterior, e de lutas intestinas. A democracia a que aspirou foi sempre pensada à medida do Partido Socialista, tecendo nesse trabalho as suas cumplicidades, ligações, rivalidades. Mas sucede que por más razões, porventura pelas piores razões imagináveis, este homem de partido tornou-se o único candidato à presidência da República que não tem para prometer, se quiser singularizar-se, senão o desígnio de rasgar espaços de intervenção fora da alçada partidária. Ele é o único que, afinal, nos lembra que a democracia não tem de se esgotar na esfera dos partidos, que há possibilidades de fazer vir ao de cima uma acção de pura cidadania. Não me interessa se está a pensar na participação dos cidadãos em ranchos folclóricos, se em clubes de jogo da bisca, se em grupos de amigos do corno luso. Não me pergunto em que espaços de intervenção estará pensando, nem se haverá ainda outros, nem sequer se, uma vez presidente, Alegre cumpriria coerentemente este desígnio. Para já, limito-me a reconhecer que o homem simboliza este estimular da sociedade civil. Está para além de si. Oferece o que está para além do seu passado e da sua essência. Fá-lo contra si. Mas fá-lo. E nenhum outro o faz assim...
E, todavia, o escritor Saramago, que seria (e é), no fundo, isto e nada mais do que isto, nada mais do que esta pobreza, cresceu para além de si, ofereceu-nos outra coisa. Não evoluiu realmente, não se tranformou (basta lê-lo para ver que a pasta da sua escrita é, no essencial, a mesma pasta imperfeita), mas abriu-nos para algo diferente de si. Essa escrita - tão criticada mas, ao mesmo tempo, tão imitada - que podia nada mais revelar senão o recurso estilístico que consiste em, numa mesma frase, longa, única e confusa, juntar diversas falas, a do narrador e a de muitas personagens, num diálogo que subsume, em uma só voz, uma voz múltipla, acabou porém, quase contra o próprio autor, por ganhar insuspeitadas dimensões, vagas ressonâncias, que marcam, abrem, renovam. Encontramos neste estilo em que Saramago tropeçou, um sentido que é já mais do que Saramago, e possibilita o que não estava nem no talento nem na capacidade deste homem.
Mas este «acrescento» é, também, o que encontro em Manuel Alegre, o Candidato à Presidência.
Temos um homem de partido. Com um passado que coincide com a génese e com a história do PS, feito de lutas contra o exterior, e de lutas intestinas. A democracia a que aspirou foi sempre pensada à medida do Partido Socialista, tecendo nesse trabalho as suas cumplicidades, ligações, rivalidades. Mas sucede que por más razões, porventura pelas piores razões imagináveis, este homem de partido tornou-se o único candidato à presidência da República que não tem para prometer, se quiser singularizar-se, senão o desígnio de rasgar espaços de intervenção fora da alçada partidária. Ele é o único que, afinal, nos lembra que a democracia não tem de se esgotar na esfera dos partidos, que há possibilidades de fazer vir ao de cima uma acção de pura cidadania. Não me interessa se está a pensar na participação dos cidadãos em ranchos folclóricos, se em clubes de jogo da bisca, se em grupos de amigos do corno luso. Não me pergunto em que espaços de intervenção estará pensando, nem se haverá ainda outros, nem sequer se, uma vez presidente, Alegre cumpriria coerentemente este desígnio. Para já, limito-me a reconhecer que o homem simboliza este estimular da sociedade civil. Está para além de si. Oferece o que está para além do seu passado e da sua essência. Fá-lo contra si. Mas fá-lo. E nenhum outro o faz assim...
1 comentário:
Detesto estes comentários incompreensíveis, em Inglês, que penso que me querem vender porcarias, e assinados com estes deliciosos nomes pornográficos: Karen, Kate, Missy
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