domingo, maio 07, 2006

À ESPERA DE AJUDA MASCULINA

Mariana, que não conseguira adormecer por causa de uma sensação de desequilíbrio que não chegava a ser enjoo - a cabeça como se não tivesse corpo, o corpo como se não pudesse distinguir entre estar de pé e estar deitado -, soergueu-se repentinamente na cama, suando muito, como se a alma se quisesse despegar-se-lhe da carne, como se preferisse morrer de uma vez ao sacrifício de uma existência que se confundia com a má-disposição. Ou vomito ou morro, pensou. Ou vomito ou morro. Levantou-se. Correu, descalça, pelo corredor, até à casa de banho. Caiu ao pé da sanita, procurando, com as mãos, o frio do azulejo. Suava tanto. Sentia-se tão mal, tão mal, tão farta de ainda estar viva. Mas não vomitava. Percebeu que a sua ladainha, Ou vomito ou morro, ou vomito ou morro, se tornara inteiramente certa, um princípio religioso. Tenho de vomitar.
Ajoelhou-se, com as pernas a tremer, uma horrorosa fraqueza no corpo, uma fadiga que era o seu único motor vital, ou quase: o verdadeiro motor era a vontade de vomitar.
Baixou-se sobre a sanita. Pairou, como um corpo esvaído.
Introduziu um dedo na boca para forçar a erupção. Mais fundo. Mais. Engasgava-se, mas não mais do que isso.
Bruscamente, coitada, Mariana sentiu que algo, uma força, a empurrava por dentro de si, do estômago até à boca, cada vez mais decidida - um sobressalto, um rompante, uma dor nos músculos, um mal profundo e, sem chegar ao alívio, porque o esforço era enorme e se sobrepunha a tudo, ela vomitou.
Gritava como se parisse.
Uivava.
Estava só. Profundamente só. Não tinha pausas. Logo que uma primeira descarga tinha fim, chegava-lhe outra fúria das entranhas.
Gritava.

Até que ouviu, aí sim, pela primeira vez aliviada, entre os seus próprios urros e estertores, os passos do João, que se aproximava no corredor.

João ia ajudá-la. Segurar-lhe na cabeça que lhe doía. Apoiá-la, confortá-la. «Minha querida, minha querida». Anda, João, despacha-te, não vês que eu estou morrendo? Não vês? Anda, João. Parecia-lhe que o homem demorava uma eternidade a chegar. Ajoelhada, com a boca sobre o buraco da sanita, olhava, atenta, ansiosa, para a porta.

João chegou. Estava à porta. Querido João.

João disse-lhe, ensonado:

- Olha, meu amor, assim não consigo dormir. Amanhã tenho de acordar muito cedo. Vou fechar a porta da casa de banho por causa do barulho, está bem?

Fechou-a.
E regressou ao leito.

Sem comentários: