quarta-feira, agosto 22, 2007

CONSCIÊNCIA ECOLÓGICA

Se eu tivesse leitores, iriam certamente admirar-se de que escreva com tanta regularidade acerca da tarefa de separar o lixo, ou melhor, de ir despejar nos respectivos «ões» (o vidrão, o papelão, o pilhão etc.) os dejectos prévia e conscienciosamente separados.

Não é falta de assunto. Talvez porque a minha vida seja demasiado pacata, esta tarefa marca-me particularmente. É o meu grande contributo para a Causa ecológica.

Explico porquê:
Em primeiro lugar, sinto muitas saudades de um camião que passava todas as noites pela minha porta, à segunda levando o contentor amarelo, à terça o castanho, e por aí fora...
Como essa boa ideia morreu, eu deixo os contentores ficarem quase a transbordar e, um dia, levo-os até aos «ões», muitos quarteirões adiante.
Abrem-se-me dilemas, escolhas: levá-los de carro? Essa experiência foi traumatizante, porque estava calor, os plásticos têm sempre uns restos de substâncias viscosas que deixam cheiro e atraem moscas, de modo que o meu carro, que nunca foi um modelo de asseio, andou uns dias pior do que nunca. A ponto de, quando a polícia me mandou parar para me «autuar», o senhor agente do boné periclitante ter, após umas fungadelas, desconfiado que eu levaria um cadáver escondido na mala. Por que outra razão teria ele pedido que a abrisse?

A outra hipótese é carregá-los a pé. Arrastando-me, num penoso convívio com as moscas que não me abandonam e eu já não tenho mãos para enxotar, chego a um lugar sórdido, onde abundam restos de lixo que o desgraçado que eu sou tem de pisar enquanto enfia as coisas pelas ranhuras...

Em segundo lugar, dói-me a assistência. Há ali um banco onde uns velhinhos seguem atentamente o processo. Qualquer que seja a hora, os velhinhos estão lá.
Eu descrevi, um dia, esta cena à minha mulher.
«Os velhos fartam-se de gozar comigo! De cada vez que eu tropeço, ou que não consigo enfiar uma embalagem na ranhura, os tipos riem-se... devem pensar que eu me dou a trabalhos estúpidos, que sou um palhaço, uma criatura absurda...!»
E a minha mulher rebateu-me o pessimismo fácil e macambúzio:
«Pelo contrário! Tu és um exemplo! De cada vez que te vêem, os velhinhos só podem admirar-te por perceber que há pessoas que se dão a tanto trabalho para manter o planeta melhor. Tu comove-los, é o que é...»
«Hummmm...», desconfiei eu, lembrando-me dos rostos enrugados e trocistas, onde nunca li nada que me fizesse crer que os comovia.

Da última vez, hoje, mais precisamente, lá estavam eles.
E eu, orgulhoso, imbuído da minha superioridade sobre estes gajos que atiram papéis para o chão e sacos de lixo em qualquer lado, cheio do meu estatuto de exemplo.

Mas, na verdade, as coisas correram mal. Nada entrava onde devia, o vento trazia-me gargalhadas que me feriam a superioridade, a faziam ceder, o lixo escorregava-me pelo corpo.
Furioso, berrei, para ser ouvido:
- Que se f... a m... da reciclagem!

Depois voltei para casa, cabisbaixo, não me atrevendo a olhar para ninguém, embaraçado, envergonhado.
Até que o meu grito desesperado foi ganhando um significado. Era um elemento de rebelião contra as dificuldades da luta ecológica. Por que não há-de haver um papelão mais próximo? Um plasticão mais limpo? Com ranhuras mais largas???

O meu grito era um grito de luta. O elemento de violência que, ao que parece, deve ser incorporado na luta ecológica em busca de mediatismo.

A continuar assim, qualquer dia estou pronto para ir massacrar umas maçarocas transgénicas.

1 comentário:

Sara Rainbow Soul disse...

Nossa, distraí-me com os dias e de repente desatas a escrever...assim não dá para comentar tudo.

Mas fica o resumo:)

(sorriso)e já está!