- H., anda para a cama, querido - chamava ela com uma nota de ansiedade na voz.
- Já vou, Dulce - respondeu H.
Não podia deitar-se sem lavar a loiça, logo naquele dia em que a máquina pifara.
Pegou nos pratos, foi-os deixando apanhar água sob a torneira que também teria de consertar, esfregou-os minuciosamente com a esponja embebida em detergente, mais água, limpou-os; fez o mesmo com os copos, com os talheres.
- Demoras muito, querido?
- Já não, já não. Vou já já, é já já!
Faltava, porém, engomar a roupa para o dia seguinte; não tanto a dele, que preferia as suas calças de ganga «au naturel», mas a dela: a saia que tinha de se passar com cem mil e cem cuidados, a camisa delicada, com rendas por todo o lado...
Abriu a tábua, colocou as peças sobre esta, aspergiu água, passou a roupa de Dulce, colocou-a, cuidadosamente, sobre uma cadeira.
A voz da mulher impacientava-se:
- Vais inventar mais alguma coisa para não vires para a cama...?
Ela não deixava de ter razão, pensou. Algumas das tarefas que se lhe acumulavam agora poderiam muito bem ter sido despachadas ao longo da tarde, desde que saíra do serviço. Mas tivera de passar por casa da mãe de Dulce para ver se, como habitualmente, não faltava nada a Dona Auzenda que, com oitenta anos, vivia sozinha num estúdio de um típico bairro J. Pimenta.
Subiu, deitou-se-lhe ao lado.
Dulce estava ansiosa por ele, pela sua pele, pelo seu corpo. Beijaram-se. Lançaram-se um ao outro, ou um no outro, numa espécie de luta animal, a que o prolongado grito de satisfação de Dulce pôs termo, ao fim de quase uma hora.
- Outra vez? - perguntou, solícito.
- Não, agora não, obrigada. Estou bem. E fatigada. Boa noite, querido.
Ela voltou-se-lhe de costas, com o habitual ranger de molas do colchão. Desligou o candeeiro da mesinha de cabeceira.
Por falar em «desligar»: H. precisava de carregar a bateria. Literalmente. Para isso, tinha simplesmente de se desligar a si próprio, premindo o minúsculo botão a que o professor Schultz, seu Deus, seu criador, dera a forma de mamilo, o seu mamilo esquerdo. (Nos homens, os mamilos não têm qualquer utilidade. Em H., pelo menos o esquerdo...)
E isso, conseguia fazer: desligar-se.
Mas, e depois? De manhã? Não seria capaz de se ligar a si mesmo, se estava desligado.
Ela seria capaz de o fazer? Fá-lo-ia?
Desligou-se, sem saber se alguma vez voltaria a acordar...
terça-feira, agosto 21, 2007
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