A história é simples. E real.
Estou numa piscina paradisíaca, ainda que de pouco me preste, a mim que não sei nadar nem gosto de enfiar a cabeça debaixo da água. Contudo, já que a paguei, sinto-me no dever de usufruir. Estendido numa cadeira branca, sob um guarda-sol multi-colorido, a barba por fazer, as pernas estranhamente brancas no meio desta tribu de pessoas bronzeadas, vou-me entretendo com um livro policial, bocejo, dormito, o livro esquecido sobre o estômago. Isto é que é vida! (Mas a boa vida pode ser uma seca tão grande!)
Presto atenção à vida que decorre em redor de mim.
Há uma família, aliás, que me obriga a prestar atenção, porque tudo entre eles é tratado em altos gritos. O pai, judicioso e careca, impõe-se frequentemente. A mãe só pára de berrar com alguém, para seguir, numa revista cheia de fotografias dolorosas, as últimas notícias da tragédia da Maddie.
Os miúdos são insuportáveis: querem batatas fritas, molham as outras pessoas com autênticos mergulhos-de-golfinho, fazem exigências exorbitantes - insuportáveis, e sei bem do que falo, porque se parecem muito com o meu próprio filho!
Bruscamente, o escândalo.
Os garotos combinam que vão mergulhar juntos, sim, não, sim outra vez, comprometem-se um com o outro, correm, um trava, o mais velho salta.
Eis que o que saltou regressa, furioso. Têm uma discussão. Trocam-se agressões.
O mais novo, que não saltara, desata a chorar:
«O mano arranhou-me, o mano arranhou-me...»
Mas o pai, careca e judicioso, vira tudo.Intervém:
«Vai-te mas é tratar, ouvistes? Tu tens de ir mas é ó médico dos malucos. Tu não vistes, Susana? Tu não vistes? O gajo arranhou-se a ele próprio, que eu bem topei, o gajo arranhou-se a ele próprio para acusar o irmão... Eu topei! Já vistes? É tramado, hein? Vai-te tratar, pá, vai-te mas é tratar...»
A minha versão é outra. Sim, porque eu também assisti. E, de tudo, sobra-me a seguinte interpretação, da qual extrairia até uma lição, se me permitissem.
O irmão agressivo arranhara, efectivamente, o outro: mas, se se tratava, para este último, de fazer queixa, que provas poderia ele, a vítima, apresentar? Marcas de arranhão não são suficientemente nítidas. Experimento agora sobre mim mesmo. Cá está a confirmação das minhas palavras: nada, praticamente nada. Quando o miúdo se auto-arranhou, não foi, pois, para mentir, mas para sublinhar a verdade, para iluminá-la, para dar-lhe indícios mais notórios.
Às vezes, a verdade não se basta: precisa de ser iluminada. A luz não é algo que lhe acrescento. Simplesmente a expõe.
quarta-feira, agosto 29, 2007
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1 comentário:
Gostas muito de dizer, neste caso descrever que tens a barba por fazer e as pernas brancas...
É o sabor de férias, ou melhor de não trabalho...que deve estar quase a recomeçar, daí talvez a urgência e a disponibilidade para escrever, escrever, escrever...
Ou será os 50 que se aproximam???
Huuum
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