terça-feira, julho 22, 2008

UM CONTO SIMPLESMENTE HOR-RO-RO-SO!

O filho chamou-o, uma vez mais, do quarto pejado de posters de lutadores de wrestling.
Eram cinco horas da manhã. Cinco da matina, porra!
Entrou furibundo, com o seu daïmon, uma espécie de Daniel Sampaio pessoal, segredando-lhe no interior do cérebro: «Calma, calma, calma! Olha que te vais arrepender, vê lá como é que lidas com o miudo, olha, eh, calma, calma, calma!»
Como de costume, sabendo que realmente se arrependeria, apertou, contraindo as paredes do cérebro, o pequeno daïmon até lhe ouvir um estertor, e, diante do filho, berrou-lhe com toda a força:

- Que foi agora, pá!? Que é agora!?
- Não consigo dormir, pai! Vem-me sempre à cabeça a imagem de um menino sem olhos...
- Tou lixado com este gajo. Vais-te voltar para o lado, que são cinco horas da matina, hã?, e eu trabalho, eu tenho de me levantar daqui a pouco, e não tenho paciência, eu já não tenho paciência. Ala!

E regressou à cama.
Pouco tempo depois, ou muito tempo depois, porque tudo se passava naquela indefinição da noite em que o «pouco» e o «muito» perdem o sentido, um menino sem olhos despertou-o. Pensou, inicialmente, que se tratasse de um sonho, mas não. Era real: um menino sem olhos, sentado aos pés da sua cama: apresentou-se-lhe tranquilamente como um feiticeiro, e disse que tinha uma surpresa para ele. Uma terrível surpresa!

- Olha, venho só prevenir-te de que vou lançar um feitiço. O teu filho irá desaparecer...
- Como!? Para sempre...?
- Não, para sempre não. Na verdade, todos os dias o verás durante algum tempo...
- Mas...
- ... À noite... à hora de dormir... cheio de medo, chamando por ti, durante uma hora inteira, a partir das cinco da manhã... todos os dias, todos os dias, todos os dias...

E assim foi.

Podem não acreditar, mas esse tornou-se o momento mais feliz de cada um dos seus dias. Aquele fragmento de tempo que aguarda mais ansiosamente. O Génio não lhe mentira: todas as noites, a partir das cinco da manhã, ouve o apelo do seu filho.
E entra no seu quarto para o apaziguar. Abraça-o, consola-o. Com lágrimas nos olhos. Sabendo que, de manhã, pouco depois do instante em que o miudo, esgotado, por fim acalma e adormece, ele adormecerá também - porque não consegue não adormecer, por mais que lute contra a invasão sorrateira do sono -, e então, de alguma obscura e mágica forma, o menino volatilizar-se-á; e que quando ele acordar, já o não verá; e não tornará a vê-lo senão à noite, à hora dos pavores.

O seu daïmon, mal refeito da tentativa de assassínio que sobre ele perpetrara, segreda-lhe:
- Eu avisei-te!
E ele responde-lhe:
- Cala-te!

E todos os dias anseia pelo pedido de ajuda do seu filho.

Sem comentários: