sábado, julho 12, 2008

VAI TRABALHAR, Ó!

Nuno Lopes é um jovem inteligente e talentoso.
Não é um cómico, no sentido redutor que a palavra tem. Sendo que, em si mesmo, não há mal nenhum em ser-se um cómico: Ricardo Araújo Pereira é-o assumidamente e repete à exaustão que não quer que nele vejam outra coisa; fez, todavia, da comédia em Portugal (e não sejamos injustos: fê-lo na peugada de um Raul Solnado e de um Herman José) uma Arte maior, provocadora, crítica, pensante. Mas RAP é RAP: um caso excepcional no panorama português.

Nuno Lopes não quer ser, ao contrário, um cómico: trata-se de um actor pleno e completo. Na verdade, de um excelente actor e, na minha opinião, um magnífico «gestor» (derrapamos sempre nestes lugares comuns, mas que fazer?) da sua carreira.
Fez telenovela no Brasil, onde outros portugueses, também convidados para outras tantas telenovelas, andaram a desgraçar a imagem de Portugal. Fez um papel discreto, de um jovem português apaixonado e, mesmo para quem não seja apreciador do género, os momentos em que ele surgia eram momentos brilhantes, que davam luz à novela. Valia bem a pena tirar os olhos do jornal ou do livro que estávamos lendo para nos fixarmos nessas suas aparições.

Nuno Lopes faz, sobretudo, teatro.
Nos momentos em que envereda pelo registo humorístico, evita sabiamente tiros no pé, como o «Levanta-te e Ri» ou os «Malucos do Riso».
Ele era impagável no papel de primo de uma personagem representada por Maria Rueff, integrados no que seria um grupo de teatro de uma associação recreativa de um lugarejo; era impagável no programa da Maria, imitando com génio e um invulgar poder de observação o Marco do Big Brother.
A sua última personagem, nos Contemporâneos, que não tem nome e repete incessantemente «Vai mas é trabalhar, ó!» é igualmente impagável.

Pelo que tenho visto por aí, em comentários dispersos, este boneco é um incompreendido e um mal-amado: as pessoas, que às vezes confundem as coisas, sentem-se incomodadas com um indivíduo cheio de tiques e deficiências que, num sarcasmo cortante e delirante, diz mal dos anões ou das velhinhas.

Acontece que a situação cómica pode ter diversas leituras: na minha perspectiva, não se trata de ridicularizar anões ou velhinhas, mas de parodiar uma mentalidade mesquinha e cruel, pretensiosa e invejosa.
A personagem, aliás, é profundamente democrática na sua maledicência: ele, que, por seu lado, não trabalha, canalizando todo o seu tempo e energia para a crítica dos outros, tanto se sente enraivecido com os portugueses bem-sucedidos (Vanessa Fernandes, Pacman: «Vai mas é trabalhar, ó! O que tu queres é aparecer!») como com os deficientes e os miseráveis. E trata-se, neste último caso, de levar ao extremo esta ideia bem portuguesa de que os males dos outros também podem ser matéria de inveja, porque convidam a uma invejável piedade ou a demais benefícios. «Ai eu sou anãozinho, sou tão querido, não sou?, vejam lá, só os anões é que são queridos, os outros não são queridos...» ou «Sou uma velhinha, ai ai, sou uma velhinha, não tenho pensão, o marido morreu-me, os filhos não querem saber de mim - o que tu queres é que tenham pena de ti, vai mas é trabalhar ó».

E mais não digo, porque não vale a pena estragar com excesso de reflexão aquilo que vale pelo seu efeito quando visto.
No blogue da Janota encontram alguns filmezinhos imperdíveis.
No youtube têm uma longa série. São uma vintena ou uma trintena de sketches.

Não gostas, pois não? Claro que não. (Ai, eu sou muito politicamente correcto, sou muito certinho, não é?, não aprecio ver gozar com anõezinhos, as pessoas gostam todas muito de mim, não tenho graça nenhuma, chamo-me Boaventura Sousa Santos ou assim). Tu queres é aparecer, mas é. Se não tens graça devias ir trabalhar para a agência funerária «Agnus Dei», ou então ter a função de fazer «shiiiu» no cinema quando os espectadores parvos se põem a comentar alto ou a rir despropositadamente, sempre eras mais útil à sociedade. Vai mas é trabalhar, ó!

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