domingo, março 08, 2009

FERA NOCTÍVAGA

De manhã, ao acordar, vejo no tecto do meu quarto as pegadas sanguinolentas da fera que durante toda a noite por ali se passeou, desafiando as leis da gravidade.

Não tenho medo. Por enquanto. Sei que, à noite, durmo e sei - já percebi - que a fera não detecta seres que dormem. O seu faro busca vida, busca vigília, busca o pavor daqueles que não sejam capazes de pregar olho. (Imagino que me não baste «fingir» que durmo; imagino que ela se não deixaria enganar, como os leões não são enganados pela falsa coragem de um domador intimamente medroso...)

Às vezes, ao puxar o cobertor para cima, antes de apagar o candeeiro, penso: «Se acordar durante a noite, estou perdido!» ou «Se tiver insónias, acabarei caçado...»

Faltam-me dados: como é este ser de cabeça para baixo, deslocando-se no tecto, devoraria uma pessoa como eu, numa cama sobre o chão? Sugar-me-ia até si? Saltaria lestamente para me abocanhar e voltar ao tecto, com o meu corpo entre as suas presas? Como uma águia que pica, apanha o atemorizado coelho e sobe, de novo, com ele aprisionado nas garras?

Nada sei.

Sei que esta manhã, quando acordei, uma vez mais, lá estavam as pegadas: a forma das garras bem estampada, a sangue, no tecto.

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