Conduzido à presença do presidente, começou a tremer.
O homem olhava-o, muito velho mas muito vivo, curioso de saber quem se atrevera a desafiá-lo.
Não fez q1ualquer pergunta. Mirava-o, simplesmente.
Ilídio queria sacar a flauta, mas tremia demasiado. Pensou: Estou perdido! Por um pouco - por um pouco não me salvo! Era só conseguir pegar na flauta, só isso, era só chegá-la aos lábios, só isso, mais nada, e soprar, só. Mas como conseguir com as mãos tremendo assim...?
Odiava-se por estar tão perto de mudar completamente a situação e não ser capaz de o fazer.
Passaram segundos. Minutos. Não havia tempo.
E de repente, lutando contra si mesmo, Ilídio segurou com força na flauta.
Viu o espanto acudir aos olhos do velho.
Se não lhe dessem um tiro, se o não abatessem, se conseguisse mais um pouco, um pouco mais, talvez...
Chegou a flauta aos lábios.
Ia conseguir: era só soprar e deixar que os dedos, sobre os buracos, manipulassem o som. Faltava tão pouco. Soprou. E, repentinamente, o seu sopro não era um sopro, era uma melodia ondeando, um fio de ar belíssimo, um desenho nos ouvidos...
Olhou para o presidente.
O espanto transformara-se. Em encantamento?
Não.
Em ironia.
E na distância que aquela ironia criava, Ilídio percebeu um vazio que a música não conseguia transpor, como se o presidente lhe fosse insensível, como se o presidente lhe estivesse fechado.
E o semblante do presidente fechava-se mais, como numa casa em que vemos cerrar com fúria janelas e portas. Já não era ironia, era raiva.
Ilídio não percebia.
Ilídio não percebia aquela fúria.
Ilídio percebeu.
De súbito.
O presidente não o podia ouvir. Ensurdecera; fechara-se completamente para a música, ele que tanto a amara.
O presidente era surdo.
A música não o salvaria, afinal.
Pelo contrário, perdia-o.
Deixou cair a flauta no chão.
FIM
sexta-feira, março 06, 2009
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