sexta-feira, março 27, 2009

UM INSTANTE NO ENTARDECER

toda a viuvez do universo se materializou,
de súbito,
no vazio da janela e, por um momento, toda a viuvez era
a velha que aí assomava, de lenço preto preto
e uma bondade bruta
na alma
oculta sob a carta astrológica de rugas
prevendo-lhe o passado inteiro.

dentro do entardecer: um passeio de pedra, escadinhas tortuosas,
uma parede branca e a ferida
da janela
atirando, pequeninamente, para a grandeza trágica
da viuvez toda,
resumida toda num rosto e num lenço,
tais eram as partes do instante em que flutuava um tum tum tum,
se ouvia flutuar o tum tum tum
de sucessivos toques de um pé numa bola.

Sob a atenção agrestemente carinhosa do rosto de preto preto
na ferida da janela
(e tudo isto envolto pelo ferimento do entardecer),
uma neta miúda de cabelos em desequilíbrio
mantinha a bola no ar, sobre a ponta da sandalinha,
em vez de saltar à corda, pensei eu, estupidamente,
tum tum tum,
ou de brincar com bonecas:
tum tum tum.

E era triste que a tarde acabasse por matar tudo aquilo.

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