domingo, abril 26, 2009

AS PESSOAS BRILHANTES PODEM ATRASAR-SE À VONTADE

Tinha jurado à minha pessoa que traçaria uma clara fronteira entre o conteúdo deste meu blogue e o exercício da profissão que exerço. Política cabe aqui bem, vida familiar - que é, aliás, uma forma de política, com revoluções e rápidas mudanças de breves democracias para longas ditaduras... entre irrupções de anarquia a torto e a direito - também cabe, ou comentário sobre cinema e literatura: profissão é que não, vá-se lá saber porquê.

No entanto, tenho de reconhecer que a maioria das histórias mais pitorescas que sofro se passam comigo na minha qualidade de professor. E portanto, como todas as regras, também esta não faz sentido se eu a não quebrar sempre que haja um motivo mais forte do que ela...

Para inclusão num conjunto de actividades ligadas ao Humor que, ao longo de uma semana, constituiriam a Semana do Humor (O Humor Vem à Escola), decidi convidar o brilhantíssimo A. T., actor, realizador e contador de engraçadíssimas histórias populares...

Combinei com ele que o iria buscar ao comboio, a Algés, às duas e meia, de forma a chegarmos à escola às três, hora aprazada - e anunciadíssima - para o início da sua sessão.
Por volta da uma hora, recebo um telefonema. «Vou chegar um pouco atrasado. Não te plantes em Algés às duas e meia: eu telefono-te quando estiver a chegar...»

Devo confessar que tenho, precisamente, um problema psicológico em relação às horas. Sou o tal que uma vez combinou ir a casa de um professor ao meio-dia e, chegando ao local às onze horas, ficou a dar voltas ao bairro de modo a poder, exactamente ao meio-dia, estar a com o dedo sobre a campaínha da porta. Aberta seguidamente pelo senhor, que me sorria, um pouco perplexo: «Gil Duarte! Mas isto é pontualidade britânica...»
Portanto, o telefonema de A. não me acalmou. E, ansioso como sou, precisamente às duas e meia, contra as indicações, lá me «plantei em Algés» esperando por novidades.

Eram duas e trinta e cinco e nada, duas e quarenta e nada. Passavam alguns pretos, mas nada do meu preto!
Eram dez para as três e nada.
O tempo apertava-se. Sentia um nó no estômago: devia ser o tempo a esmagar-me.
Às três horas, comecei a imaginar, na escola, os professores e os alunos que se preparavam para assistir à sessão, sentando-se, tossicando, conversando animadamente com o colega do lado.
Às três e cinco, nada de telefonema.
Às três e dez, já só imaginava as primeiras impaciências, o desgosto de professores a quem eu pedira que não dessem a sua aula para poderem estar antes presentes com a turma: que fossem antes ver e ouvir o magnífico A.T.
Às três e quinze, telefonei-lhe: tinha o telemóvel desligado.
Às três e vinte já só me povoavam a cabeça imagens de revolta, alunos gritando, pessoas pateando, livros sendo arremessados, todos insultando-me mentalmente, todos cortando mentalmente relações comigo...

Às três e trinta e cinco, recebo um telefonema de A.: que sabia que estava atrasado; que se encontrava ainda em Lisboa; que já não ia a Algés; que se metia num táxi e seguia directamente para a escola. Que, aliás, já estava no táxi. Que eu lhe desse a morada.

E, no meio da atrapalhação, dos nervos, gaguejando muito, pedi-lhe que informasse o senhor taxista que fosse então, por favor, ter à Escola Secundária de Linda-a-velha, vagamente não muito longe do Pingo-doce.
E, acrescento, subitamente lúcido: «Rua Luísa Todi. É na rua Luísa Todi».

Desligamos. Falo para alguém que, na escola, me possa dizer qualquer coisa sobre a situação: os alunos estão a aguentar, respondem-me, os professores tomam café, mas, perguntam-me, que se passa, está tudo bem?
Explico que o senhor se meteu num táxi e segue já. Assalta-me uma dúvida:
«A escola é na rua Luísa Todi não é?»
Não era. Não é. A Escola Secundária de Linda-a-velha está, desde há muitos anos, na mesma Rua Carolina Michaëlis de sempre...

Quero tornar a entrar em contacto com o A. Já não lhe encontro o número. Peço, por favor, a alguém da escola que lhe telefone e faça a correcção.

De toda esta história, interessa a conclusão:
A. T. chegou. Atrasado é dizer pouco. Principiou a falar. Espirravam os primeiros risos. Depois, gargalhadas. Falou ininterruptamente durante mais de uma hora, criando permanentemente, em torno, aquele delicioso ruído do riso colectivo.

A. T., como sempre, foi brilhante. Brilhante!

3 comentários:

Sara Rainbow Soul disse...

Fui procurar no google por AT, não fazia ideia de quem seria.
É de São Tomé não é?

Gil Duarte disse...

Sim, sim, sim. É muito engraçado: brilhante, de facto. Com uma criatividade, um sentido de humor e um poder de comunicação exuberntíssimos. É realizador de uma curta-metragem, Kunte, e tem várias aparições em cinema...

Sara Rainbow Soul disse...

Na pesquisa fui dar com ele no Youtube e adorei!
Grande ideia de levá-lo à escola.
:)