Tinha jurado à minha pessoa que traçaria uma clara fronteira entre o conteúdo deste meu blogue e o exercício da profissão que exerço. Política cabe aqui bem, vida familiar - que é, aliás, uma forma de política, com revoluções e rápidas mudanças de breves democracias para longas ditaduras... entre irrupções de anarquia a torto e a direito - também cabe, ou comentário sobre cinema e literatura: profissão é que não, vá-se lá saber porquê.
No entanto, tenho de reconhecer que a maioria das histórias mais pitorescas que sofro se passam comigo na minha qualidade de professor. E portanto, como todas as regras, também esta não faz sentido se eu a não quebrar sempre que haja um motivo mais forte do que ela...
Para inclusão num conjunto de actividades ligadas ao Humor que, ao longo de uma semana, constituiriam a Semana do Humor (O Humor Vem à Escola), decidi convidar o brilhantíssimo A. T., actor, realizador e contador de engraçadíssimas histórias populares...
Combinei com ele que o iria buscar ao comboio, a Algés, às duas e meia, de forma a chegarmos à escola às três, hora aprazada - e anunciadíssima - para o início da sua sessão.
Por volta da uma hora, recebo um telefonema. «Vou chegar um pouco atrasado. Não te plantes em Algés às duas e meia: eu telefono-te quando estiver a chegar...»
Devo confessar que tenho, precisamente, um problema psicológico em relação às horas. Sou o tal que uma vez combinou ir a casa de um professor ao meio-dia e, chegando ao local às onze horas, ficou a dar voltas ao bairro de modo a poder, exactamente ao meio-dia, estar a com o dedo sobre a campaínha da porta. Aberta seguidamente pelo senhor, que me sorria, um pouco perplexo: «Gil Duarte! Mas isto é pontualidade britânica...»
Portanto, o telefonema de A. não me acalmou. E, ansioso como sou, precisamente às duas e meia, contra as indicações, lá me «plantei em Algés» esperando por novidades.
Eram duas e trinta e cinco e nada, duas e quarenta e nada. Passavam alguns pretos, mas nada do meu preto!
Eram dez para as três e nada.
O tempo apertava-se. Sentia um nó no estômago: devia ser o tempo a esmagar-me.
Às três horas, comecei a imaginar, na escola, os professores e os alunos que se preparavam para assistir à sessão, sentando-se, tossicando, conversando animadamente com o colega do lado.
Às três e cinco, nada de telefonema.
Às três e dez, já só imaginava as primeiras impaciências, o desgosto de professores a quem eu pedira que não dessem a sua aula para poderem estar antes presentes com a turma: que fossem antes ver e ouvir o magnífico A.T.
Às três e quinze, telefonei-lhe: tinha o telemóvel desligado.
Às três e vinte já só me povoavam a cabeça imagens de revolta, alunos gritando, pessoas pateando, livros sendo arremessados, todos insultando-me mentalmente, todos cortando mentalmente relações comigo...
Às três e trinta e cinco, recebo um telefonema de A.: que sabia que estava atrasado; que se encontrava ainda em Lisboa; que já não ia a Algés; que se metia num táxi e seguia directamente para a escola. Que, aliás, já estava no táxi. Que eu lhe desse a morada.
E, no meio da atrapalhação, dos nervos, gaguejando muito, pedi-lhe que informasse o senhor taxista que fosse então, por favor, ter à Escola Secundária de Linda-a-velha, vagamente não muito longe do Pingo-doce.
E, acrescento, subitamente lúcido: «Rua Luísa Todi. É na rua Luísa Todi».
Desligamos. Falo para alguém que, na escola, me possa dizer qualquer coisa sobre a situação: os alunos estão a aguentar, respondem-me, os professores tomam café, mas, perguntam-me, que se passa, está tudo bem?
Explico que o senhor se meteu num táxi e segue já. Assalta-me uma dúvida:
«A escola é na rua Luísa Todi não é?»
Não era. Não é. A Escola Secundária de Linda-a-velha está, desde há muitos anos, na mesma Rua Carolina Michaëlis de sempre...
Quero tornar a entrar em contacto com o A. Já não lhe encontro o número. Peço, por favor, a alguém da escola que lhe telefone e faça a correcção.
De toda esta história, interessa a conclusão:
A. T. chegou. Atrasado é dizer pouco. Principiou a falar. Espirravam os primeiros risos. Depois, gargalhadas. Falou ininterruptamente durante mais de uma hora, criando permanentemente, em torno, aquele delicioso ruído do riso colectivo.
A. T., como sempre, foi brilhante. Brilhante!
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
3 comentários:
Fui procurar no google por AT, não fazia ideia de quem seria.
É de São Tomé não é?
Sim, sim, sim. É muito engraçado: brilhante, de facto. Com uma criatividade, um sentido de humor e um poder de comunicação exuberntíssimos. É realizador de uma curta-metragem, Kunte, e tem várias aparições em cinema...
Na pesquisa fui dar com ele no Youtube e adorei!
Grande ideia de levá-lo à escola.
:)
Enviar um comentário