Porque não sei de nenhum outro nome para qualificar uma pessoa que defende o que defendo, aceito que me considerem anarquista.
Sou um anarquista heterodoxo, claro. (Pensando bem: se me revisse em alguma ortodoxia, dificilmente faria sentido que me intitulasse "anarquista"). Para começar, porque não prescindo da autoridade - no sentido de autoritas, ou seja, não de um poder que se impõe de cima para baixo, mas de um outro que se manifesta a partir de dentro, emanando do sujeito como expressão do que o dignifica e torna respeitável aos olhos dos outros.
O meu anarquismo não projecta a sua existência em qualquer futuro longínquo. Exerce-se agora e aqui. Não preciso de defrontar o poder do Estado ou combater a força da escola ou da igreja. Não sei nem me interessa saber se o anarquismo é viável como política social. O meu anarquismo é realizado diariamente em microclima. Daí que despreze tanto a acéfala tentativa de se esvaziar os micro-contextos. O universo do meu anarquismo é o grupo - os alunos, os colegas, os amigos. Os clubes, os movimentos. Que triste sina a deste micro-anarquismo, de resto, em tempos de se preferir a cultura dos Mega e do Global à cultura do micro...
O meu anarquismo é só indirectamente uma forma de política. É, primária e directamente, uma forma de ética e de cultura. Consiste nisto: em contexto de grupo, turma, comunidade, procuro que não haja um poder formal, que amesquinhe ou submeta os outros. Uma aula de filosofia é um claro exemplo de anarquia - não porque eu não seja o professor, não porque me não assuma como tal, mas porque todo o meu trabalho se dirige à liberdade de cada um, chama por ela, entende-se com ela, procura-a num terreno de convivência entre liberdades.
Dir-me-ão, e justamente, que, em última análise, as notas existem, e que eu as atribuo. E que se trata, de facto, de um exercício de poder. Dir-me-ão que sou eu quem corrige - nem que seja, afinal, os erros de sintaxe. Dir-me-ão que, portanto, aquilo que designo por "anarquismo" encapota, afinal, um poder. Será, então, uma forma de manipulação.
Mas entenda-se que, nas minhas contradições, na medida em que me cinjo ao sistema, estou, no interior do mesmo, como o moscardo socrático, que não deixa descansar, como o elemento que corrói o sistema ou que, pelo menos, procura fazer crescer a consciência para além do que o sistema pode suportar. Não espero, com isso, que o sistema venha, a prazo, a explodir. Não tenho, repito, um projecto a longo prazo. Mas sou, no sistema, uma consciência extra-sistema. Sou, no planeta Terra, um extra-terrestre. Aponto, indico, abro, rasgo. Exerço. Contesto, critico. Exerço. Não estou, senão aparentemente, ao serviço do Ministério. Na realidade, crio cultura. É o que exerço. Nada de especial, é o que qualquer professor pode fazer, se nem todos o fazem. E onde a cultura não está submetida a lógicas de poder - seja a lógica do Estado, a lógica dos bons-costumes, a lógica, sequer, do mercado -, o que existe é uma sociedade insubmissa, espaço da fruição anarquista.
Eis a minha proposta.
segunda-feira, julho 19, 2010
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