quarta-feira, julho 21, 2010

MENTIROSOS

Haroldo P. Frutuoso publicou, em Brasília, nos anos oitenta, uma dissertação académica, na área da sociologia (mas com inescapáveis implicações psicológicas e éticas), acerca da mentira.

A tese é comprometedora. H. P. Frutuoso pega numa afirmação de Kant, segundo a qual «a mentira nunca poderia ser o imperativo categórico», porque uma sociedade «guiada pela mentira», pelo «espírito da mentira», pela aceitação do mentir, como lei absoluta, rapidamente soçobraria. Nunca, numa tal sociedade, se poderia crer numa promessa ou num juramento; nenhum contrato faria sentido ou teria o menor valor. Pega nessa afirmação e inverte-a, perguntando-se: como poderia uma sociedade - qualquer sociedade -, pelo contrário, sobreviver sem a mentira?

A tese faz pensar. Haroldo não defende, naturalmente, que a mentira possa ser aceite como lei. «Isso», escreve na página 130, «seria uma contradição. A natureza da mentira é ser não-lei: sua natureza é, justamente, "enganar", decepcionar a regra, não de frente, mas de modo oculto.»
O que ele, sim, defende, é que um ser que exige, como fundamento último da sua existência, a mentira de um deus que o houvesse criado e o receba em seus braços imateriais após a morte, é um ser que nunca suportaria viver sem a mentira nos diferentes departamentos do seu quotidiano.

Harolodo sustenta que o próprio eu é, reparem, uma "mentira": não existe "eu" senão como mito pessoal de cada um - a consciência que o "sujeito" toma como sendo seu centro e sua sede mais não é do que o frágil bote, mais aparente do que real, em que a pessoa se não sente à mercê de forças inconscientes, a natureza em fúria, o mar agitado. Pede, se estão lembrados, esta imagem emprestada a Schopenhauer.

Mas em termos sociais, pretende Haroldo, todas as relações carecem de um grau maior ou menor de mentira, mais ou menos consciente, para se poderem manter. A verdade é anti-social. A verdade é anti-humana. Se a humanidade inteira coincidisse no cumprimento da regra de "dizer a verdade", e a respeitasse escrupulosamente durante um certo tempo, um instante que fosse, terrível seria o tsunami de catástrofes, suicídios, homicídios que daí adviria...

Espanta-me que se tenha a coragem de publicar uma tese assim. Penso que, a ser o seu conteúdo verdadeiro, preferível seria que nos mentissem acerca disso...

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