sábado, fevereiro 16, 2008

PÉROLAS OFERECIDAS A, DIGAMOS, «CIDADÃOS-ANIMAIS-DE-CHIQUEIRO-E-CAUDA-EM-FORMA-DE-SACA-ROLHA» [para ter um título quase politicamente correcto]

O problema, o grande problema de qualquer turma reside, em primeiro lugar, nos vícios com que a rapaziada já chega às mãos do professor. Lá dizia Aristóteles: «Não é que eu não tenha vícios; é que os vícios dos meus alunos são sempre muito piores...»

De entre esses vícios, um parece-me particularmente fatal. O «direito à opinião». Não era Platão quem dizia: «Opinião, opinião, opinião! Vão-se lixar com as vossas opiniões...!»?
A soberba indistinção entre o que deve ser conteúdo de aprendizagem e o que pode ser matéria de discussão, a incapacidade de traçar fronteiras claras entre uma «aula» e um «fórum» promovido pelo Bloco de Esquerda assumem, por vezes, proporções alarmantes. Sei que não é um mal novo. Na verdade, já Descartes se alarmava com a inclinação para se pôr tudo em causa, numa carta dirigida à rainha da Suécia (não, não se tratava de Sissi, essa era da Áustria e chamava-se, na verdade, senhora dona Romy Schneider): «Como?! Terei lido bem? Vossa Alteza afirma mesmo que «2 + 2 = 4» é um resultado que pode ser contestado!?» [Também é certo que o filósofo francês terá ficado com esta ideia a germinar-lhe na mente, estragando tudo logo a seguir, ao tentar discutir, nesse caso, se uma cadeira, que estivessem a ver, realmente existiria - ou se podia ser um sonho, ou uma ilusão, ou assim...!]

Imaginem-me em plena aula. Oito e trinta da manhã. Visualizem-me com os meus alunos. (Para ser mais fácil, tentem visualizar o George Clooney, de chávena na mão, rodeado de crianças feias, de calças a cair e telemóveis sob o tampo da secretária, e terão o quadro completo). Proponho-me, pobre de mim, conduzi-los pela mão, tremente de entusiasmo, até às premissas da Arte; entendo rasgar-lhes os horizontes estreitos; levo-lhes pinturas: Rembrandt, Picasso, Miró, Paula Rego, Júlio Pomar, Nuno Viegas. Infelizmente, é já tarde quando me vem à memória a recomendação de Wittgenstein: «Para RASGAR horizontes, nunca usar pinturas; rasgam mal. Uma faca é sempre preferível para o efeito...»; e portanto, todos os meus argumentos se desfaziam de encontro aos muros sólidos da ignorância e do preconceito. Riam-se de Miró. Vinham à carga com a estafada ideia de que até o irmãozinho ou o primo de cinco anos fariam melhor. (Não lhes disse que Miró aprendera a desenhar com o seu sobrinho, Pablo, de três anos!); sobre Nuno Viegas, suprema afronta, afiançaram que ele não tinha jeito - ou, ironicamente, que tinha «tanto» jeito que até desenhava a perna de um sujeito a aparecer, quando esta estava tapada pelas calças. Uma aluna cidadã-afro-portuguesa, de pele negra (o que não tem a menor importância, atenção!, porque somos todos iguais) acusou-o de racismo porque, numa reprodução que eu, já levemente enervado, insistia em lhes mostrar, eram visíveis os pés de um cidadão afro-português (ou afro-qualquer outra coisa), estendido no chão, enquanto uns indivíduos brancos se encontravam sentados:
«Por que é que não é o preto que está sentado? Por que é que o preto está descalço? Por que é que, se ele caiu, os brancos não fazem nada? E, afinal, por que é que ele caiu? Está bêbedo? Adormeceu no trabalho, ou quê? É racismo, professor!»

Na discussão que entretanto se gerou, a todas estas enormidades acrescentavam, a cada momento: «Ó professor, mas nós respeitamos a sua opinião. O professor não pode respeitar a nossa opinião???»

A opinião, a opinião, a opinião!

Tive de acabar por encontrar um meio termo: «Está bem. Eu respeito a vossa opinião e depois marco falta disciplinar a todos!»

Só me vinha à cabeça o aforismo de Nietzsche: «Valha-me Santa Engrácia!»

Ou a frase John Stuart Mill: «Ai, ai, ai, Nossa Senhora da Agrela, que não há santa como ela!»

3 comentários:

lara_1012 disse...

Gostei muito do teu meio termo! :D

Unknown disse...

Acrescento o dito célebre da dupla Lucas e Mateus: "Bem-aventurados os pobres de espírito, pois que deles é o reino dos céus".

Gil Duarte disse...

Tenho de repetir o comentário de Angel, que ficou estupidamente tapado pelo enorme título:

angel said...

Gostei muito do teu meio termo! :D