terça-feira, março 10, 2009

WATCHMEN

Antes que a Angel e o Angelito, seu sobrinho cinéfilo, desatem a falar acerca de: Watchmen, The Movie (que não acredito que não tenham já ido ver), aproveito para tentar ser, no conjunto destes blogues amigos, o primeiro a fazê-lo.

Em primeiro lugar, porque fui.

Em segundo lugar, porque não gostei tanto como isso - e suponho que, nesta posição de espectador insatisfeito, irei estar, com toda a certeza, mais solitário do que Dr. Manhattan retirado em Marte para meditação.

Devo dizer, para já, que me havia tornado rapidamente em um fanático de: Watchmen: The Comic - referenciado há algum tempo pela Janota, seguido de muito perto pela Angel, que ia postando muito material que me arrepiava de prazer, comentado por Nuno Markl, descoberto, enfim, por mim na Biblioteca de Oeiras, comprado mais tarde na Fnac, este extraordinário romance gráfico tomou conta do leitor entusiasmado que posso ser: na linha de Neil Gaimon, recuperando porventura o melhor do espírito da DC e da Marvel - com o selo da DC Comics , precisamente -, inventando super-heróis credíveis num mundo que já perdeu a inocência de crer em super-heróis, explorando referências clássicas (está lá, por exemplo, algo como o acidente científico que originou The Incredible Hulk, ou o universo sombrio e neo-gótico onde a justiça depende do trabalho e do sofistacadíssimo material de um jovem milionário e sedento de vingança, que é Batman, ou, claro, o Surfista Prateado e a sua dificuldade em compreender a natureza humana, a qual, no entanto, tanto o perturba e comove), The Watchmen é uma Banda Desenhada completa, riquíssima, violenta q.b., com desenhos «clássicos» mas belíssimos, rigorosos e muito intensos.

Talvez em virtude desta incondicional paixão, a expectativa era elevada. Não dormia, mal comia, deixava crescer a barba enquanto o filme não chegava. Prevenia os meus alunos que não perdessem esta oportunidade única de compreenderem a Crítica da Razão Pura, de Kant, através da percepção do espaço e do tempo reveladas por uma personagem central, Dr. Manhattan, um ser de pura energia atómica que, nessa medida, não estaria sujeito às formas espacio-temporais que, segundo Kant, nos condicionam a priori.



E o filme veio. E eu fui com o meu filho. E, por uma vez, não resmunguei ante nada do que ele me propunha: aceitei comprar pipocas, coca-cola, aceitei jantar post-cine no MacDonald, fazer uma visita às lojas da moda, etc.

Não gostei.
Não gostei.
Claro que tem interesse observar até que ponto o realizador se procura aproximar do original: Rorschach é quase exactamente o Rorschach da BD, pequenino, ruivo, sardento, Nite Owl é idêntico, já para não falar do Comedian. O veículo de Nite Owl reproduz sem falhas o das imagens no álbum. Os diálogos são sedentamente bebidos da fonte: reparem, por exemplo, no impressionante monólogo de Rorschach que tanto me fascinou, na sua voz rouca e cínica. «Hão-de erguer a cabeça, e suplicar-me: Salva-nos! E eu olharei para baixo, e sussurrarei: Não!» Tudo é, aparentemente, a expressão, em cinema, da essência de Watchmen.

Contudo, aquela violência levada ao extremo visual, no filme, incomoda e, simultaneamente, banaliza: estamos perante uma espécie de Kill Bill.
Por outro lado, o que na BD se mantém credível tende a descair, em cinema, para o ridículo: um homem correndo, mascarado, pelas ruas, não salta, sem perder alguma coisa, das páginas das histórias em quadrinhos para a tela. Dou um único exemplo: podemos ver, em filme, sem esconder um frouxo de riso, a heroína que quebra pernas e arranca braços aos malfeitores, vestida num fato-de-banho amarelo, em latex, com meias de ligas e sapatos de salto alto? Ou: como nos sentimos em face de um ser azul, todo ele pura energia atómica, o extraordinário Dr. Manhattan que, no filme, parece ter olheiras, pés-de-galinha e papada?

Finalmente - e isto é decisivo -, aquele romance complexo, em que o tempo se adensa e multiplica num desafio constante às leis da Física, saltando para diante, recuando ao passado, numa espécie de cubismo temporal onde a regra é mais a simultaneidade do que a sucessão, funciona no álbum de Banda Desenhada: o leitor apropria-se vagarosamente, impõe o seu próprio ritmo, avança e, se não percebe, recua, torna ao princípio ou pára quando está já demasiado fatigado. Mas não se adapta à lógica de um filme onde tudo se torna, então, confuso, e o que se perdeu se torna, de algum modo, definitivamente irrecuperável, instalando o caos.

Força, Angel. Contra-ataca. Não deixes que eu mine o universo da consonância cinéfila através desta minha opinião. Destrói-me de uma vez. Como diria Rorschach, «Por que esperas? Mata-me!»

3 comentários:

lara_1012 disse...

What's up doc? Não há mais posts?

Gil Duarte disse...

Cansaço, excesso de trabalho, palpitações. Enfado, tédio, neurose. Testes. Dilemas. Poucas ideias. Fome. Sede. Daisy. Frustração como professor. Eis um quarto das razões que me têm afastado do blogue. Um dia volto!

lara_1012 disse...

Volta! Ouvi dizer que blogar cura o enfado, o tédio e a neurose (pelo menos dos teus leitores). Fazer um post dá ânimo para ver pelo menos 5 testes de seguida. Quanto às ideias, são como as cerejas e se postares uma foto de uma sandes de panado e de uma imperial, sempre podes comer com os olhos. A sobremesa pode ser cerejas de novo e vai daí fazes mais um post. Ainda estás cansado e frustrado? Não nos faças isso, cum camandro! Beijinhos soporíferos para a Daisy.