quinta-feira, dezembro 23, 2010

O ARTISTA E o artista

Vi-a hoje de manhã; ao longe, não vislumbrava mais do que breves e indistintos traços, que o meu cérebro completou.
E apaixonei-me de uma súbita paixão por essa mulher, em parte criada (ou adivinhada) por mim, a partir de traços semi-vislumbrados. Um passo ágil que, com a cooperação benéfica do vento, lhe entreabria um casaco comprido, cinzento. Uma saia minúscula, que entreaparecia pelo entreaberto do casaco. Um cabelo longo, voador: não apenas esvoaçante.

Reeencontro-a à tarde, no corredor do colégio onde vou buscar a minha filha. É a mesma mulher. Mas não é a mesma mulher, porque a imagem se dissolve em face dos seus olhos esgazeados, os dentes demasiado saídos, o nariz enervantemente arrebitado e a voz com que esganiça contra a sua filha. Caramba. Como eu preferia a minha composição matinal.

Hum. Não digo que não haja Deus.
Só me espanta que, às vezes, eu pareça ser tão melhor artista do que Ele.

Sem comentários: