A pensão era tramada. Havia um rapaz que me olhava fixamente, à porta, mas não dizia nada, nem sequer quando lhe perguntei se havia quartos vagos. No primeiro dia - e, depois, todos os dias em que ali vivi -, acordou-me às quatro e meia da madrugada, gritando «Um palito para o gorila! Um palito para o gorila! Um palito para o gorila!» [Invejei todos os camponeses que despertam ao canto do galo, enquanto a mim calhava um rapaz de óculos muito graduados, que não me respondia às perguntas, e só percebi que não era mudo porque às quatro da manhã clamava obcecadamente por um certo palito para um determinado gorila...]
A senhora Polina, dona da pensão, também me olhava fixamente. Lambia-se, embora eu não seja fisicamente nada de especial. Talvez fosse um tique. Cheirava a perfume intenso e bebia de um cantil. «Chá», garantia-me, limpando a boca com as costas da mão.
Eu não tinha dinheiro para mais do que aquela pensão. Fugira à família, atrás de uma italiana que me trocou por um alemão. Os disparates que se fazem na vida. A italiana tinha dentes de cavalo, uma voz rouca, exccessiva, que primeiro me fez perder a cabeça (e depois, quando ela insistia em me rouquejar obscenidades, na cama, acabou por me fazer perder qualquer vestígio de excitação...); comia de mais, chamava-me «Berlusconi mio» e arrotava.
Por que deixei tudo por ela? Porque era italiana? Porque me obrigou a acompanhá-la, apontando-me uma pequena pistola à cabeça? Sei lá. Acho graça, em todo o caso, que hoje, quando me queixo, me perguntem, sarcasticamente: «Então, por que diabo foste com ela? Apontou-te alguma pistola à cabeça?»; e pensem que sou tolo, quando respondo: «Olha, por acaso sim.»
Voltemos à pensão. Quando lá cheguei, estava triste e deprimido. Sem dinheiro. Andava com fome e com sono. A senhora dona Polina lambia-se. Fazia crochet, ou seria tricot? Adormecia à lareira, numa cadeira de balanço, ouvindo a história do senhor coronel. Digo bem: «a história», porque era sempre a mesma. E quem me pôs a ideia triste na cabeça foi o Faustino, que vivia na porcaria da pensão. Jogava ao dominó e, enquanto o coronel voltava à mesma eterna história e a velha dormitava, uma noite disse-me: «Essa gaja é podre de rica. Um dia faço um disparate.»
E eu pensei: «Quem faz um disparate sou eu.»
Mas nunca direi ao mundo que disparate quis fazer - e tentei fazer - e quase fiz!
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2 comentários:
Creio que essa pensão é ao lado da casa da minha dona!
Que filme de Fellini é este?
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