terça-feira, junho 24, 2008

NO CONFORTO FAMILIAR

Sento-me ao computador como quem tenta respirar, erguendo a cabeça acima da linha da água que principia a envolver-me, a puxar-me convictamente para baixo, para o fundo.
A água em que me vou enraizando é, sobretudo, uma água sonora: toda feita de ruídos que me povoam a casa invadida por familiares. Oiço o meu sobrinho de pernas peludas que gargalha alentejanamente, lá para baixo. (Sem desprimor, que o gargalhar alentejano não é pior do que os outros...); não lhe oiço a mulher, nortenha discreta, tímida, pálida e loira. Mas, em contrapartida, oiço a minha cunhada, mãe do marmanjão das pernas peludas, que barafusta com ele! «Tira-me já isso daqui! Faz outra dessas e volto já para o Alentejo...» - Sinto-me indeciso: pedir ao dos pêlos que repita seja lá qual for a gracinha, a ver se ela desanda, se desandam todos?
Mas estou sendo injusto! Vieram para me ajudar na vigilância da minha filha, atacada de varicela; vieram para tomar conta dela, uma vez que não posso deixar de ir trabalhar, agora que, na escola, me desabam em cima os exames e as reuniões de notas, nem a Adelaide, que se falha, não vende, se não vende, não ganha!
Estou-lhes, portanto, grato. Claro, podiam não ter trazido o gato e o cão. Mas com quem os deixariam?
A irmãzinha do rapazola, ela já também de pernas peludas, grita. Aliás, grita sempre. Pergunto-me por que raio uma criança falará sempre a gritar, a não ser que seja surda ou que viva entre surdos. (O que, por aqui, em breve será certamente o caso!)
Afundo-me literalmente - na verdade, chamam-me para jantar e, portanto, lá terei de afundar estes dois andares que ainda me separam...
Preparo-me para acabar este post, com um misto de triunfo e de culpabilidade. Sinto-me, realmente, mau como as cobras. Absolutamente maldoso. Vejam: as pessoas que acorrem para me apoiar neste momento conturbado da minha vida, e eu que me escondo no blogue a dizer mal...!
Se ao menos dizer mal não me fizesse tão bem à saúde...
Ou se a criança não falasse tão sempre a gritar...
Ou se não tivessem trazido o gato e o cão...!

1 comentário:

Ana C Marques disse...

Não é maldoso, é sincero e gostei muito!