A leitura do jornal despertou-me com tamanha força o espírito confundido, que não me restaram quaisquer dúvidas a propósito da evidência de estar morto. (Tinha havido, até, em vida, momentos em que eu estivera menos certo de me encontrar vivo do que, agora, estava certo de ter morrido).
Ao mesmo tempo, por efeito deste choque, a memória devolveu-me o filme dos últimos acontecimentos:
O baixote contara-me, enquanto eu me voltava para ele com o nariz completamente encervejado, que, um dia, estava ele na posse daquele dinheiro - cuja proveniência desonesta não interessa aqui esmiuçar - quando se apercebeu de que uns agentes da lei o perseguiam. Não podia ser interceptado com cinquenta mil euros num volume que já aqui chamei «pacote» e também já chamei «sobrescrito», mas, em suma, era muito menos espesso do que aquilo que se pudesse imaginar! Desesperado, tentou despistá-los: entrava em lojas de roupa cujos nomes não sugeriam roupa, como Mango ou Escada, escondendo-se nas barraquinhas de prova, escapando-se por portas dos fundos, mas os agentes não se afastavam nem um milímetro. Entrou na Bulhosa. Chocou com uma senhora idosa: ajudou-a a apanhar do chão uns embrulhos, mais um livro que ela se preparava para pedir que embrulhassem para oferta e, sorrateiramente, introduziu o dinheiro entre as páginas deste. Pediu desculpas e desandou, sentindo-se o homem mais livre e mais leve da História da Humanidade!
A polícia apanhou-o, por fim, à porta da livraria, revistou-o ali mesmo mas, como é bom de ver, nada achou! Dava-se ao luxo de ser irónico, fazer humor, raiar o sarcasmo, «Os senhores perderam alguma coisa? Posso ajudar?», certo de que o dinheiro...
Aliás, onde estava o dinheiro!? Diacho! No livro da velha, sim, mas onde raio se metera, entretanto, a velha? Perdera-a completamente de vista...
[CONTINUA]
quarta-feira, junho 04, 2008
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário