A prova de que os adultos pouco sabem acerca das crianças reside em que, para as divertir, tenham inventado nada menos do que o palhaço - uma espécie de monstro com o rosto fantasmagoricamente branco, uns lábios de jazzman e um nariz de bêbedo, isto é, redondo, vermelho e grande. Se acrescentarmos a tudo isto aquela sua típica maneira de falar à Luís Figo, percebemos que se trata de uma personagem para infundir terror, nunca para fazer rir.
Um casal de amigos muito meus amigos (contando que não venham a tropeçar neste «post») decidiu, há já alguns anos, comemorar o aniversário da filha com a seguinte surpresa: quando estivessem os meninos concentrados na sala, com as mãos untadas de bolo e alguma coca-cola por perto, eles se encarregariam, digamos, de estragar a alegria da petizada surgindo, mascarados de palhaços, de corneta na beiça e viola em punho. A intenção era boa! Eu estava lá e assisti a tudo. Não assisti propriamente à intenção, que não era visível, mas em cuja bondade deposito uma inquebrantável fé. Fui, todavia, espectador do efeito: crianças a berrar, lágrimas grossas espirrando e arruinando as fatias de bolo, coca-colas derramadas pela carpete do IKEA.
Lembro-me do pai da aniversariante parando, incrédulo, trágico no seu chapéu bicudo, a tristeza estampada no rosto enfarinhado, a virar-se para a mulher (essa de palhaço pobre vestida, com uma meia de cada cor) e perguntando-lhe:
- E agora...? Continuamos?
Não puderam continuar.
É verdade que esperavam risos, não aquele pavor. E não é que não houvesse risos. Houve, e muitos. Mas não houve os esperados: para ser sincero, o único que se ria era eu próprio, que não devia, claro e, até onde possível, tratei até de disfarçar, mas sempre tive um humor imperdoavelmente perverso.
Esta história serve para ilustrar o desconhecimento que os adultos têm acerca do que efectivamente uma criança pode considerar divertido ou engraçado. Por mim falo. Chego, pois, a outra historieta:
A minha filha recebeu, neste Natal, bonecas, peúgas e livrinhos.
Trouxe-as carinhosamente o Pai Natal (um Pai Natal da crise, evidentemente mas, ainda assim, um Pai Natal...), em que me esforcei denodadamente que ela acreditasse.
Falara-lhe tanto do bondoso velhinho das barbas brancas, e das renas, e dos presentes distribuídos pelos meninos bem-comportados (o que nunca pode ser literalmente entendido, porque «meninos bem-comportados» é aquilo a que se chama um paradoxo).
Pois bem: o resultado? Por estes dias, a minha filha não dorme.
E à noite, da sua caminha de grades, repete, com os olhos brilhando muito no escuro, como duas enormes bolas natalícias:
-Nã quéi domiri. Tem medo do Pai Natali!
domingo, dezembro 28, 2008
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