sábado, dezembro 06, 2008

PIRIQUITO & BANANA

Chego à creche pisando já a hora-limite para os pais levarem dali os filhos: aquela hora tardia em que as educadoras, esgotadas, desgrenhadas, devolvem as crianças, com um sorriso de circunstância, pensando certamente para os seus botões «Vocês é que os fazem, nós é que os aturamos!», com a mente fixa na banheira de água quente que as espera no lar.

Vou nervoso: antecipo a forma como, entrando na sala, a Daisy, como de costume, fará ostensivamente questão de me desobedecer, fugindo-me enquanto a persigo para a enfiar num sobretudo castanho escuro, desarrumando os tabuleiros de jogos que as senhoras já haviam conseguido arrumar, exigindo bolachas...

É, de facto, o que sucede. Quero impor-me. Pelo menos ali, aos olhos delas. Inicio a minha perseguição. Uma jovem Auxiliar tenta intrometer-se duas, três vezes. Diz-me algo. Ignoro-a rudemente. Tento, com um sucesso mais do que duvidoso, mostrar-lhe que a Daisy não fará hoje de mim gato-sapato. (Interiormente, sopro «miau», sentindo-me, na minha dimensão de «sapato», com os nervos completamente desatados...)

Finalmente, percebo o que a Auxiliar, que não desarma, tem para me dizer, fingindo, retoricamente, que fala para a menina:
- Então, Daisy? Já disseste ao papá quem é que vai hoje para casa com vocês?
Por alguma razão, mesmo a um homem de cinquenta e um anos como eu, habituado a ter passado pelos episódios mais surrealistas do mundo, aquela pergunta soa horrorosamente bizarra, preocupantemente bizarra. Não consigo evitar que a imaginação dispare. Vai alguém connosco para casa?! Um psicólogo, para avaliar se somos os responsáveis pelo comportamento da criança? E se for um psicólogo - perturba-se a minha mente culpabilizada -, que deveremos fazer? Oferecer-lhe de jantar? Dormirá em nossa casa? Fica uma semana? Podemos recusar...?

Daisy explica:
- Os capaínhos, pai. Os capaínhos!
Os capaínhos vão, portanto, connosco hoje. Para nossa casa. Devo preocupar-me? É que não sei quem sejam os capaínhos. Uma família carenciada, por estarmos próximos do Natal?

Os capaínhos, claro, são os passarinhos. Como castigo por ter chegado hoje tão tarde? Ah, não! Toca a vez a cada um dos meninos: ali estão dois passarinhos azuis numa gaiola branca. É a vez da Daisy.

A minha filha insiste em levá-los. Não pode com a gaiola. Bate com ela ruidosamente no chão. Contra as paredes. Os piu-pius nem piam.
Tento impor-me:
- Eu levo, Daisy, eu levo. Olha que os matas!
- Nããããããããão! Nãããããããããão! A mim, a mim, a mim!
Bem, então levamo-los os dois, pode ser? A meias. Esforço-me por pôr em prática o meu plano. Mas a gaiola vai muito inclinada, e tem de ir, a não ser que eu marche de gatas ou completamente dobrado até ao carro.
Digo para a Auxiliar:
- Bem, boa noite. Até segunda!
Responde-me, triunfante:
- Feriado! Até terça, até terça!

Lá vamos, Daisy e eu, com os passarinhos aos trambolhões, tentando não falhar uma parede.
Pergunto:
- E como se chamam eles, Daisy?
- Piquitito e Banana!
Desconfio que não. Mas, pelo menos até terça-feira, a todos os seus tormentos terão de acrescentar este, ainda: chamar-lhes-emos Piriquito e Banana!

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