Como a situação dos professores se encontra mais embrulhada do que nunca - e, mesmo no Natal, «embrulhos» nem sempre são bons... -, aceitei, com as previsíveis reticências do burguês acomodado que sou, o convite para me juntar a um grupo de um movimento em torno da aspiração a uma «escola moderna», a fim de colar uns quantos cartazes, à noite, anunciando um debate sobre o candente tema da avaliação do desempenho docente. (5ª-feira, na Escola de S. João do Estoril, pelas dezanove horas, com a presença de Ana Benavente).
Está frrrrrrio! Deve ser a noite mais fria do ano.
Levo um casaco por baixo de uma camisola de gola alta, e um sobretudo por cima disto tudo. Sou um embrulho.
Chego de carro.
O líder dá-nos indicações precisas. Infelizmente, somos poucos.
- O Camarada X, que é a alma por detrás da organização desta noite de colagens, infelizmente não pôde vir. Foi para a Serra da Estrela. Estão prontos, camaradas?
Seguimos. Vamos numa procissão de automóveis. Teria sido mais fácil reunirmo-nos todos numa carrinha. Ou num carrinho qualquer. Não. Seguem quatro automóveis, cada um dos quais não transporta senão um único condutor. Não sei bem porquê, aceitei levar o balde com a cola e com as trinchas. «Isto não entorna?», pergunto. «Não, camarada. Não vamos fazer gincanas.»
Seguimos. A cada solavanco, sinto que há mais um teste de mais um aluno, no banco de trás, que ganha alguma cola.
Primeira paragem. Saímos. Sobretudos, cachecóis, barretes. Tirito. Levo uma trincha a que não sei o que fazer. Sou um intelectual, que diabo, não estou muito habituado a lidar com trinchas! Os outros movem-se rápida e agilmente - não precisam, para colar uma meia dúzia de cartazes, mais do que o tempo que eu levo a tropeçar no balde e a derramar um pouco de cola nos sapatos.
«Então, camarada, então, há que não desperdiçar...»
Dão-se instruções sobre a próxima paragem. Reentramos nos carros. Conheço o destino, arranco, por uma vez durante a noite seguro de mim. O líder está furioso. Tenta ultrapassar-me: é ele que tem de ir à frente; começo por julgar que é uma brincadeira e acelero. O líder parece doido. Gesticula no interior do seu veículo prateado. Deixo-o passar.
Chegamos ao segundo ponto. Saímos. Colamos cartazes junto a uma escola. O Guarda-nocturno segue os nossos movimentos com uma viva curiosidade.
Encaminhamo-nos de novo para os carros. «Não podemos ir andando a pé?», ainda tento eu. Olham-me com ar de quem está perante um novato nestas andanças. A procissão automobilística reinicia-se, portanto.
Já com o veículo em marcha, observo, perplexo, que o Guarda-nocturno referido supra, se entretém a arrancar os cartazes que viéramos de colar. Calo o bico. Sou um novato, deve fazer parte do procedimento.
Nova paragem. Outra escola. O líder pára para fumar um cigarro que lhe provoca uma tosse de que nunca mais se libertará durante o resto da noite. Estou com o sobretudo manchado de cola. Sou mesmo novato!
Sempre que chegamos, o líder saca de um novo cigarro e de novos acessos de tosse.
Esgotámos os cartazes que, afinal, não eram muitos: três aqui, quatro ali, seis num outro ponto. Unindo sempre os pontos com linhas de carros em procissão.
Regresso a casa, pensativo. Andava a pensar em mudar de profissão. Percebo que, para mim, a de afixador de cartazes não constitui alternativa.
Andei a trabalhar por uma nova escola, ein? Estive ao frio, a dar o couro por vocês, professores e alunos. E corri riscos. Podia ter aparecido a polícia. Ou a ministra. Mas eu sou assim.
Até sempre, camaradas!
quarta-feira, dezembro 10, 2008
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2 comentários:
Estou sem palavras. Nunca sei se rio se choro, (de rir) com a tua vida! Ai o drama!
Mas isso é a sério???
E o Piriquito e Banana, também?
Oooh Kalimero!
Olha, nem sei que te diga, camarada. Não sei se fico mais grata pelo teu esforço em prol da escola moderna, se por este post de leitura tão... visual! :D
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