Devo confessar a todos os cristãos com cartão e lugar cativo (no céu), que a Justiça segundo a Bíblia me deixa sempre um tanto dubidativo.
Pegue-se, entre outros, no exemplo do Filho Pródigo.
Imagine-se o leitor, por um momento, no lugar do filho que ficou em casa; eu tento pôr-me muitas vezes nesse lugar. (Deve ser porque me apetece cada vez mais ficar por casa, em vez de andar a tropeçar em gente feia pelos centros comerciais). Ele vê o irmão pedir, ao pai, a percentagem da herança que lhe caberia. Vê-o sair de casa, indiferente às saudades que semeia. Vê o estado em que o pai fica. Acompanha o velho. Ajuda-o no dia-a-dia. Trabalha por dois. Ara a terra. O irmão não está lá para cumprir com a sua parte. Aliás, presumo que um rapaz desse calibre não fosse, mesmo enquanto estava em casa, um exemplo de amor ao trabalho. É de admitir que o próprio pai, por causa da tristeza em que caiu, tenha diminuído no seu rendimento. Em suma, o irmão quedante, quedou-se a trabalhar noite e dia para substituir o pouco que fariam o madraço e o velhote.
Gramou as queixas, Ai ai o teu irmão, que falta me faz, coitadinho, por onde andará ele?, gramou a tristeza que inundou o casarão (pois nunca mais foram capazes de lhe fazer uma festa, nem sequer pelo aniversário...), gramou a solidão. De pé firme.
E um dia, chega a casa (ironia suprema: chega do trabalho!!!) e repara que há luzes, repara que há música, tarã, tarã, tã tã tã tã! Pergunta, como quem não quer a coisa, O que se passa, O que se passa, pensando, no seu íntimo, Querem ver que eu faço anos e desta vez se lembraram...?, e que ouve ele? Que o seu irmão voltara!
Mas esperem, amigos. Há mais ironias nesta edificante história: voltara, porquê?
Resposta: porque gastara a parte da herança que o velho pai lhe havia adiantado. Não é bestial? Não é fabuloso? Não voltara pelas saudades. Não voltou pelos remorsos. Voltou... tenho de fazer uma pequena pausa para respirar fundo... porque tinha gasto o dinheiro.
É que, ao que parece, tiritando de frio, lambendo-se de fome às portas dos restaurantes, tentando alimentar-se do odor das iguarias, lembrara-se, melancolicamente, Em casa do meu pai é que era bom, em casa do meu pai nunca passei fome.
Como diria Freitas do Amaral: É preciso topete!
Ora o irmão quedante ainda teve tempo para ouvir a voz feliz do pai mandando matar um bácoro para festejar o regresso do filho pródigo.
«Mas espera lá! Eu fiquei, trabalhei, amparei tudo e todos e nunca ninguém se lembrou de festejar com um bácoro e vinho a minha contínua presença...! E este foi-se! E quando regressa, tarã tã tã, tarã tã tã...?»
Quando me falam em Justiça Divina, só posso responder, humildemente: Os caminhos do Senhor são insondáveis. A mim - e à minha limitada e terrena compreensão - escapam-me totalmente!
domingo, dezembro 21, 2008
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