quarta-feira, janeiro 28, 2009

UMA IDEIA PARA RECUPERAR EM TEMPOS DE CRISE... (OU, SE CALHAR, NÃO!)

Jonathan W. Ford, do Massassuchets, sempre fora uma criança com um verdadeiro dom para construções em papel e cartão. Contam os jornais da época - anos 50 -, que, desde ele muito novo, se lhe viam nascer nas mãos, pelo efeito mágico de uma tesoura sobre a cartolina, magníficas flores, magníficas casas, ou meninos, ou automóveis...

Em 1957 (geograficamente muito longe, no entanto, de um parto que iria trazer ao mundo alguém - que a minha proverbial modéstia me impede de nomear, mas constitui a outra razão pela qual o ano de 57 é, claramente, um ano maior...), Jonathan Ford concebeu um negócio engenhoso. Tinha uma família a sustentar, de modo que decidiu aproveitar o seu talento para fabricar sapatos...

... de cartão!

Os sapatos eram, aparentemente, tão bem desenhados, tão bem pintados e perfeitos, que ninguém suspeitaria que fossem de cartão. Deviam ser especialmente bonitos e desejáveis. E baratos. De todos os pontos de vista, óptimos: até à chuvada seguinte, como é evidente.

Ford não chegava a abrir propriamente lojas. (Não lhe convinha estar plantado no mesmo sítio quando viessem reclamar!). Montava uma espécie de tenda-sapataria: vendia, vendia, vendia. Desmontava, desaparecia dali. Seguia viagem.

As coisas correram-lhe mal por causa da celeridade com que as notícias voam. Consta que, quando chegou a uma insignificante vilória e aí montou a tenda, num dia aziago, a população, que já ouvira falar do genial embuste e, digamos assim, estava à sua espera, quase que o matou. Era uma população sem criatividade: não julgo que tivessem sido capazes de inventar matracas em cartão para bater nele; suponho que usaram mesmo paus tacos de madeira ou barras de ferro!

Alguém escreveu que, depois de sovado, Jonathan Ford foi o último exemplo de um homem que, nos Estados Unidos, se viu expulso da vila, montado sobre um carril, com o corpo coberto de alcatrão e penas.

Alguma coisa em Jonathan Ford, porém, faz com que eu o considere mais um mártir do que um trafulha. Mais um génio do que um ladrão. E, de algum modo, um herói no «desenrasca» - digno de um artista português!

domingo, janeiro 25, 2009

VIDAS PASSADAS E SUPER-HERÓIS

Não deixa de ser curioso observar como - se quiserem fazer o favor de comparar os posts em que se fala sobre vidas passadas, nestes três blogues que são seguidores uns dos outros (clique lá: o kaostico, mais este e este, ehehehehe; confesso que é impagável imaginar-vos clicando insistentemente...) - observar como (dizia), sou eu, dos três, o que tem a visão mais estreita e estritamente burguesa.

Enquanto a Angel se imagina um antigo Shaman e, Janota, um antigo monge copista medieval, o máximo que eu consegui foi recuar a um burguês anafado, com brilhantina no cabelo e livros empoeirados. Raios! E com uma coisa no pulmão...

Mas se quisesse humilhar-vos, diria que este senhor foi unicamente o da última das minhas vidas anteriores. Porque eu também fui Napoleão. Sim! E sinto, muitas vezes, que Napoleão não anda longe de mim: a perspicácia, a audácia, a eficácia - que frequentemente tento contrabalançar esforçando-me por me mostrar um tanto lerdo, cobardão (sobretudo quando se aproxima o «administrador da rua», de óculos, barba cerrada e má catadura) e totalmente ineficaz perante as coisas da vida...

Tenho de evitar insistir nesta ideia de que Napoleão e eu somos o mesmo. Já deixei até de usar, pelo menos quando saio à rua, o chapéu à Napoleão que mandei fazer à Dona Pilar; e também vou evitando enfiar a mão entre os botões da camisa, sobre o peito: o meu psiquiatra andou muito estranho, quando lhe falei nesta identificação. E repetia, pesaroso: «Um clássico! Um clássico!»...

Mas devo dizer que, entretanto, ando a planear uma banda desenhada, à maneira das «graphic novels», em que aparecerei como um vibrante super-herói. Em futuros posts falarei, pois, dos super-poderes que me parece que conseguiria ou conseguirei facilmente desenvolver. (A invisibilidade seria claramente um deles: há dias em que, lá na escola, ninguém me liga nenhuma. Como se, com efeito, me não vissem...)

Se quiserem começar a pensar nos vossos possíveis super-poderes, queridos leitores, expondo-mos em posts que me sejam acessíveis ou em comentários, talvez haja lugar para vós na minha próxima banda desenhada.

Mas apressem-se. Suspeito que o mundo terá de ser salvo muito em breve

quinta-feira, janeiro 22, 2009

UM PROJECTO FABULOSO

Incontornável em tantas das minhas estórias, Dudu, extremoso filho meu, vai mostrando parecer-se cada vez mais comigo quando tinha a sua idade.

Se não, vejamos:

Teve uma excelente ideia para um trabalho em Educação Tecnológica: conceber e fabricar um carrinho de rolamentos; depois, esqueceu-se do assunto. Precisava de rolamentos, mas não voltou a pensar nisso; precisava de madeira, mas nunca mais se lembrou - a não ser na véspera da aula, à noite, quando arrumava a mochila.

Não digo que se pareça comigo no facto de haver tido uma ideia brilhante. Admito que, aí, possa sair à mãe; mas sai certamente a mim no pormenor de não se ter voltado a lembrar, de se haver esquecido completamente, a não ser, por acaso, na noite anterior à aula.

Perguntou à mãe: «Trouxeste-me rolamentos?». Também aí reconheço algo de meu: não tendo feito nada pelo seu projecto, esperar que, pelo menos, alguém possa arcar com as culpas. A mãe, que não fora avisada, respondeu-lhe que não tinha nenhuma loja de rolamentos. Houve choro.



Na ausência e na impossibilidade de fazer aparecer de um dia para o outro as mafaldadas peças, haveria a possibilidade de, para ele não se confrontar com o professor de mãos vazias, levar, ao menos, madeira. Mas que madeira???

Tentou tudo: perguntou-me se podia ser uma estante, uma porta velha, uma cadeira. Não. Não. Também não. Houve choro.



Zangámo-nos todos. Aproveitámos para nos mostrar didácticos, recordando-lhe que era muito bem feito, que aprendesse com os seus próprios erros, que, para a próxima, já sabia.

Adormeceu soluçando.

De manhã (dia de ser eu a levar as duas crianças, os inefáveis Dudu e Daisy, às respectivas escolas), acordo e sou posto perante a hipótese de se ir pedir ao vizinho uma das muitas madeiras que ele colecciona num espaço ao lado de sua casa. Não é que a ideia seja má, pelo contrário: é que o vizinho em causa, que hei-de já ter por aqui mencionado em anteriores posts, é um de óculos grossos e barba cerrada, alentejano de má catadura, que se intitula a si próprio «uma espécie de administrador da rua» e que, a esse título, vai criando conflitos com a restante vizinhança. Há que continuar a ser didáctico com o meu filho. Tenho, pois, de dizer-lhe:
- Vai lá tu falar com ele, então!
O Dudu quase cai de quatro. «Não vais tu, pai?!». Não, e tal, faz parte da lição de vida que tem estado a receber, e tal, ele é que se esqueceu de tudo e, portanto, a ele é que cabe patati-patatá.
- Mas não podemos ir juntos, pai?
Hesito. Mas a imagem do vizinho vem-me à cabeça: óculos grossos, barba cerrada, má catadura. Ná, há que ser didáctico: faz parte da lição de vida desenrascar-se sozinho das alhadas em que se meteu por causa da sua imaturidade, e tal...

Tudo isto sempre sob uma chuva abundante. (Talvez as tábuas do vizinho lhe servissem para construir uma nova Arca de Noé...). Pego na Daisy, levo-a para o carro, encho-a de cintos que ela vai desatando.
Vejo que Dudu arrasta uma pesada tábua. Não é uma tábua, é um estrado.
- Falaste com o vizinho?
- Não. Toquei, mas ele não atende. Falamos depois, não é?
Aquele «falamos» não me agrada. Entretanto, onde enfiar o estrado? Tento na bagageira: não cabe! Está ensopadíssimo, é pesadíssimo, enorme, quase maior do que a totalidade do carro.
Tentamos enfiá-lo dentro do veículo. Dudu e Daisy, sentados atrás, vêem os meus esforços e ouvem os meus palavrões no exercício de, à chuva, colocar o estrado lá atrás, entre o banco deles e os bancos da frente, aos seus pés...
Daisy chora.

Arrancamos vagarosamente. Não os vejo. No meu espelho retrovisor não cabe senão um enorme estrado de madeira, uma pesada fronteira que nos separa.

Chegamos à escola de Dudu. Ele arrasta-se com o estrado lá para dentro. Não o posso ajudar, visto que isso me obrigaria a deixar sozinha a Daisy. Observo o minúsculo petiz, à chuva, derreado ao peso de um monstro, iniciando as explicações à desconfiadíssima porteira. Atrás de mim, carros enervados de pais que largam os seus rebentos e querem partir de imediato para os respectivos serviços, buzinam-me. Dudu desapareceu no interior da escola. Mas eu não posso arrancar porque a mochila dele jaz no automóvel. E, uma vez mais, não posso ir em sua busca porque isso significaria deixar a Daisy sozinha, ou carregar com ela à chuva por uma busca aventureira.
Daisy chora, de novo, do carro.
A mochila chora pelo dono.
Eu próprio estou com vontade de chorar.
O céu ainda não parou de chorar...

Mas eis que se aproxima, sorridente, sob um chapéu magnífico, uma amiga que é professora naquela escola. Vem para me cumprimentar - mas eu, malcriadamente, penduro-lhe a mochila na mão, explicando-lhe que...

São agora vinte e uma horas e trinta e um minutos. É verdade, esqueci-me de falar ao vizinho. Bolas!

Amanhã eu... (hmmm... óculos grossos, barba cerrada, má cat...)... Se calhar, amanhã peço ao Dudu que lhe vá explicar a situação. Para ver se o miudo aprende o que custa a vida!

E O QUÊ ACERCA DA VIDA ANTES DA VIDA?!

Talvez precisamente porque não creio em reencarnação, consigo ver tão precisamente quem fui (ou poderia - ou deveria - ter sido) numa anterior existência.

Não tenho dúvidas de que já era um homem; a minha alma, por muito feminina que seja, é certamente, em qualquer uma das suas vidas, uma alma de homem. (E sou franco: não creio que uma alma de mulher pudesse alguma vez ser assim tão feminina...)

Sei que morri cedo. No máximo, no princípio dos anos vinte. Não teria mais de quarenta anos.

O que retenho com mais nitidez é o meu escritório dessa outra vida. Curiosamente, parece-me uma antítese do meu actual isto a que pomposamente chamo, às vezes, escritório.

Vejo livros, mas não destes que hoje possuo, com a capa em cartolina (livros que, numa livraria que é prudente não mencionar, mas cujo nome obterão por uma sábia mistura de «Bolhão» - como em Mercado do Bolhão - com «rosa», livrous que vou aí desrespeitosamente trocando por livros novos, agora que descobri que é possível fazê-lo sem que me levantem quaisquer problemas, mesmo sem qualquer tipo de talão): os que eu lia então eram livros muito bem encadernados; vejo-me, por exemplo, abrindo um e soltando no ar partículas de poeira que bailam num foco de luz que me entra por uma janela alta.

A minha secretária, algures, não podia senão ser em mogno. Vejo, sobre ela, canetas de aparo e tinteiro. Vejo um mata-borrão delicioso, daqueles em forma de gôndola, com uma pega, que se fazem balançar para a frente e para trás sobre a tinta ainda húmida.

Também vejo no chão, algures, um globo gigante. Há quadros. Há gravuras.

Não uso nunca chapéu, contra as convenções sociais. Mas tenho uns sapatos com arabescos pontilhados.

Penteio-me para trás, com a devida brilhantina. Não creio que fosse míope. (Se hoje o sou, não se trata de uma miopia da alma, mas do corpo que nesta vida se me atribuiu. Mas não me queixo...)

Algum médico me terá convidado, nessa vida, a tornar mais raras as minhas visitas ao escritório, indicação que clara e imprudentemente ignoro: suponho que o pó dos livros me não fizesse bem. Sofria, naturalmente, de qualquer coisa nos pulmões.

Devo ter morrido afogado: não vejo nenhuma outra razão para a ideia de afogamento me impressionar tanto; nem para não ter sido capaz, sequer, de aprender a nadar. Poderiam chamar-lhe «mariquice». Eu acho que estaria ligado a uma tragédia em outra encarnação.

Tirando, é claro, o pormenorzinho de que não creio em nada disto.

E que nada disto interesserá menormente aos meus leitores...

terça-feira, janeiro 13, 2009

LÚCIA, A MULHER-DA-PORTAGEM

O meu nome é Lúcia.
Vivo a maior parte da minha vida naquelas barraquinhas das portagens, à espera de que os atrasados que ainda não aderiram à Via Verde (possivelmente, benfiquistas...) formem demoradas filas enquanto procuram trocos. (Por que não trarão já o dinheiro preparado?). Ou descobrem, bruscamente, que têm de pagar mais cinco cêntimos, que não trazem ali...

Há pessoas, portanto, que, de mim, não conhecem senão um braço que se lhes estende à passagem.
Não tenho grandes alegrias na vida.
A única coisa que me dá prazer é, pois, fixar alguns dos condutores.
Aguardo-os.
Ao antipático que não me dá os bons-dias, por exemplo, gosto de fazer esperar. Conto minuciosamente o troco.
Ao que vem a ouvir música muito alto, gosto de responder elevando ainda mais o volume do meu rádio. São as minhas pequenas vinganças.

Às vezes, é o próprio destino que se encarrega de me vingar.

Houve um tipo que se zangou tanto comigo - já nem sei porquê -, que, antes de arrancar num desespero de ruído e fumo, ainda me atirou:
«Sabe que mais? Uma coisa é certa. A senhora tem o poder de me chatear. Mas depois, fica aí fechada nessa guarita o dia todo. E eu vou ser livre! Adeus! Passe muito bem na sua guarita!»

Não foi ser livre, não. Eram oito da manhã. O helicóptero da Sic bem sobrevoava a bicha na A5. Deve ter ficado sem poder mover nem um milímetro de viatura durante uma boa parte da manhã!

CONTRAFANTASIA

Não esperava, mas devo dizer que um comentário ao que escrevi me trouxe um novo surto de esperança. («Surto» estará aqui bem, ou é só com a gripe?); alguém que, pelos vistos conhecia um caso idêntico ao meu «caso», disse que achava que não fossem os mesmos, porque o rapaz da história dela tem os olhos castanhos, não azuis, e porque a rapariga não é clarifone.
Oh, meu Deus, suponho que os meus olhos podem ser tomados por castanhos! Convenci-me de que eram azuis, é certo, houve namoradas que me disseram que eram azuis, mas essas namoradas, no fundo, não ficaram tempo suficiente para poderem ter a certeza...

Por outro lado, não posso jurar que a rapariga fosse clarifone. Se calhar não era. Quem sabe se não foi um gracioso embuste dela para ter acesso a um remédio caseiro?

Ó minha alminha, por Deus, por Deus, não se vá assim. Contacte-me, que eu tenho a certeza absoluta de que o caso que conhece é o meu próprio caso. Olhos azuis e clarifonices à parte, em quantos elevadores do país terão ficado presos, na noite de fim de ano, uma rapariga bonita e um transportador de limas para uma festa, que se reuniram num beijo de vinte e tal minutos...?

E, por favor, não me responda que, no seu «caso», o beijo foi de dez minutos, ou de dezoito, ou de quarenta. O meu relógio estava parado!!!

sábado, janeiro 10, 2009

CONTRAFANTASIA DE FIM DE ANO

Eu não sou ninguém.

Nunca o fui:

Não acabei o 12º ano, não tirei a carta de condução senão à terceira tentativa e nunca consegui que nenhuma das raparigas que se encantavam dos meus olhos azuis e dos meus lábios sensuais - diziam elas - namorasse comigo durante mais do que quinze dias. O meu record foi uma gorda que chegou a ficar quinze dias e trinta e sete minutos.


Sei perfeitamente - e sei desde os nove anos - que o meu valor no mercado das relações amorosas é fraco.

Mas nunca andei tão triste e tão deprimido, com a auto-estima tão abanada como agora, depois da «cena». (Não sei muito bem o que seja a «auto-estima»; mas é o género de coisa que as pessoas dizem que anda por baixo, sobretudo quando vivem cenas como a «cena» que eu vivi...).


Sei que não tenho um emprego promissor - no fundo, sou simplesmente um moço de fretes -, mas também não esperava que me tratassem assim. Foi um novo record: o namoro mais rápido, se é que lhe posso chamar isso.


Passou-se tudo na noite de Fim de Ano, quando me encontrei, num elevador, com uma rapariga que se dirigia à festa onde eu, por coincidência, deveria entregar uma caixa de limas para que fizessem daquelas bebidas de que os brasileiros tanto gostam. Os brasileiros E a supracitada rapariga: haviam de ver o modo como os lábios se lhe reviraram num alegre sorriso assim que soube a que se destinava a caixa...

Eis senão quando, meus amigos, o elevador teve uma avaria. Nem para cima, nem para baixo.

Fui eu quem serenou a rapariga, que se queixava de ser clarinete, ou clarifone ou assim (como é que se diz quando uma pessoa não suporta espaços fechados?) e que, acrescentando que já se estava a sentir mal, me ia perguntando se haveria ali um pouco de cachaça e açúcar para juntar às limas e fazer uma receita caseira que ela conhecia. (Percebi depois que era especialista em receitas caseiras, umas com whisky, outras com gin...)

Tentando desesperadamente que ela acalmasse, nem sei como é que aquilo aconteceu, mas acabei por beijá-la. E, na verdade, comecei logo a ouvir disparar foguetes, estrelas e faíscas. Até pensei que fosse já a festejar a passagem de ano e olhei para o relógio: não era meia noite. Devia-se tudo ao extraordinário beijo de vinte e três minutos em que nos engalfinhámos...


Infelizmente, nesse momento, talvez devido a uma descarga do eléctrico beijo, o elevador reiniciou a sua marcha...


E quando as portas se abriram e eu me preparava para lhe propor casamento, a miuda desapareceu sem se voltar uma única vez para trás.


Isso não se faz. A mim, claro, não me aceitaram na festa. Aceitaram-me a caixa de limas, isso sim, mas mandaram-me embora com o coração destroçado.


Desde aí, procuro-a todos os dias. Enfio-me no mesmo elevador. Repito a viagem de baixo para cima, de cima para baixo. E nada. Sinto-me infeliz.

sexta-feira, janeiro 09, 2009

O SINISTRO EPISÓDIO DA PORTA AUTOMÁTICA

Curiosamente, recebi um email insultuoso onde o senhor Joaquim Avelar, tratando-me, en passant, de «cocó de Buffalo Bill» (não me detenho a tentar descodificar o bizarro insulto), ameaçava processar-me por difamação. (Cf. post anterior). As pessoas são ressabiadas. Tudo as incomoda. Mas, pronto, para evitar problemas na Justiça, vou pegar no nome «Avelar» - que, notem, tive o cuidado de pôr sempre entre aspas, para verem que se tratava de um nome fictício - e vou substituí-lo, por exemplo, por «Avelã»; assim, de uma assentada, preservo a identidade de Joaquim Avelar (coitado: deve julgar que é um super-herói, necessitando de uma identidade secreta) e introduzo um elemento de comicidade que me agrada, porque sempre fui um autor muito engraçado. Chamemos-lhe, pois, «Avelã»: não é giro?

Sabemos que, já em criança, este senhor assassinara a própria mãe. Não tinha mais do que sete ou oito anos. Ele, bem entendido, não a mãe!
Hão-de perceber que, neste episódio, repousa uma profundíssima questão psicológica, que posso resumir na seguinte questão: se foi descoberta, ao lado do corpo da senhora, uma faca de cortar papel, por que razão é que o jovem preferira utilizar uma tesoura? É estranho, não é? Possuía uma faca - com uma paisagem da Madeira estampada no cabo - e, contudo, decidira-se por uma tesoura.

Claro que é importante que estes episódios, que vão surgindo, como as cerejas, ao sabor do teclado, não nos afastem do ponto central da vida do «Avelã» (ehehe, foi realmente uma ideia muito engraçada, chamar-lhe «Avelã»! Donde diabo me virá tudo isto???): o qual é, evidentemente, ter batido numa porta de vidro que deveria ter aberto - automaticamente - mas nunca chegou a abrir.

O que o senhor «Avelã» costumava contar - a mim nunca mo contou, falávamos pouco; mas narrou-a, por exemplo, a um cego muito esperto que depois, por sua vez, ma relatou. Sabem aquele cego que, em vez de tocar violino enquanto pedia esmola, ou acordeão ou até gaita de beiços, levava com ele um rádio e punha a música a tocar no máximo, deixando-lhe, tal artimanha, as mãos livres para sacudir a caixa de esmolas à passagem dos transeuntes...? Não foi esse, mas lembrei-me agora dele. Foi outro! - o que o senhor «Avelã» costumava, portanto, contar, é que a porta não abrira porque ele, «Avelã», era tão rápido, tão rápido, tão rápido, que não dera tempo ao desencadear do processo.

Duvido que alguém seja assim tão rápido, tão rápido, tão rápido. A não ser que o mecanismo estivesse emperrado. Ou a funcionar em câmara lenta. Como se a vida fosse um filme, mas um filme em que nem todos os elementos estivessem simultaneamente em câmara lenta, ou onde alguns estariam em câmara mais lenta do que outros.

Julgo que estas dissintonias são possíveis. Nas dobragens, por exemplo, tenho reparado que às vezes se ouve uma voz de mulher quando o homem abre a boca, e que quando a senhora move o seu fácies para responder lhe sai a voz do espanhol que estava a dobrar.
Isso só me incomoda nos filmes pornográficos. Mas não sei se não me estarei outra vez a afastar do tema...

Bem, estas questões filosóficas deixam-me sempre dor de cabeça.

terça-feira, janeiro 06, 2009

ÁGUAS TRANQUILAS OCULTANDO SINISTRAS PROFUNDEZAS

Tenho de vos apresentar, como personagem, a mais banal das figuras:
um pouco sobre o gordo, mas não em demasia, com óculos de massa e pernas mais curtas do que o resto do corpo, o senhor Avelar não tem mais sinais particulares para além de enfiar, compulsiva e regularmente, o dedo no interior do colarinho apertado pela gravata, para se não deixar morrer enforcado (visto que sempre acalentou o sonho de ser tranquilamente apanhado pela morte durante o sono...) e uma certa forma de erguer os olhos ao céu, como se quisesse pedir, a Deus, paciência para aturar os dislates da humanidade, mas que, na verdade, é simplesmente um tique, o qual se compôs em duas fases: primeiramente, tratara-se de erguer os olhos para se certificar de que os seus óculos se encontravam convenientemente encaixados no rosto, formando uma exemplar linha horizontal, perpendicular à cana do nariz e paralela às linhas da cabeça (em cima) e do queixo (em baixo); depois, pela repetição, acabara tornando-se um automatismo, uma obsessão, um gesto que não podia evitar e de que se envergonhava. Não muito: de que se envergonhava ligeiramente...

Por que vos falo desta personagem? Que fascínio pode exercer este rei da banalidade?

As águas tranquilas escondem, por vezes, inesperadas profundidades.
Este homem, que designo discreta e simplesmente por «Avelar» para não vos dizer que ele se chama, na realidade, Joaquim Avelar, teve dois momentos que marcariam, para sempre, a sua vida.
Em primeiro lugar, um dia bateu numa porta de vidro que deveria ter-se aberto automaticamente mas, por alguma enigmática razão, não chegou a fazê-lo.
Em segundo lugar, descobriu a sua homossexualidade, ao apaixonar-se por um sobrinho que animava certo blogue encimado por uma fotografia do autor em tronco nu, e chegou a ter um affaire com ele, que terminou bruscamente quando, não suportando a ideia de ser abandonado, o asssassinou.

Também encontram, nestes factos que menciono, algo que merece ser narrado?
Foi o que pensei. Decidi, pois, escrever uma curta série de posts a propósito desta personagem falsamente banal, em que vos irei contar o episódio, que tanto me intriga, de ele ter ido contra uma porta de vidro que, por algum motivo, não abriu automaticamente, como se esperava...

domingo, janeiro 04, 2009

E A FASCINANTE PESQUISA PROSSEGUE

A imparável aventura tecnológica em que mergulhei, e de que vos falava em «post» anterior, tem-se revelado de um inusitado interesse. Dói-me o dedo, de clicar sobre os títulos. Dói-me a curiosidade, de tão despertada! Dói-me o condão de ainda me surpreender, de tão abanado com os extravagantes resultados.

Por exemplo: se clicar sobre o sublinhado de Os Maias, tido no meu «perfil de blogger» como um dos livros que prefiro, aparece-me de imediato a referência a um senhor cujo blog se denomina... rouxinal do Bernardim; e o autor (que não sei se é o rouxinal, se o Bernardim) surge numa arrepiante fotografia, com um irrepreensível e pretíssimo capachinho contrastando com uma barba brancota. Procuro pelos seus interesses. Ei-los: «Dizer bem do que está bem mas não se demitir do dever da denúncia do que está mal. Omissão de denúncia é cobardia, é traição dos ideais democráticos». Quem escreve assim não é gago. Pode até usar capachinho, mas gago não é.

Não resisto à pesquisa. Quem se atreverá, então, a assumir que aprecia Lolita, um dos meus livros predilectos mas, indiscutivelmente, dos mais suspeitos e malditos, perversos e terríveis?
Há uma Amy Green, cujos interesses cito: « sleep [também eu, quando posso], Peep show [?] smoking, G&Ts.» Ok. Excluamos «G&Ts» que, na minha candura, não faço a menor ideia do que seja e cuja mera referência talvez me envolvesse em complicações com a ASAE. Mas peep show? Numa apreciadora de Lolita? Tratar-se-á, ela própria, de uma lolita procurando chamar a atenção de velhos depravados? Dificilmente: com 67 anos de idade, parece-me simplesmente uma velhinha maluca.

Já em relação à Origem da Tragédia (e escolho agora ao acaso, sem respeitar ordem nenhuma) salta-me a fotografia de um tal de Leandro, brasileiro de signo Peixes, que ostenta uma fotografia, sua, em tronco nú. Está visto que, no Brasil, tem estado muito calor. Era a quarentona de Em Busca do Tempo Perdido, é o senhor Leandro...
Pesquiso entre os seus interesses e deparo com os mesmos que eu. Mostra-se atento à filosofia, à literatura, ao cinema. Tanto interesse em comum com um cara que se fotografa em tronco nú? Bolas (segredam-me os meus imperdoáveis e reaccionários preconceitos), deixa eu fugir aí!
E há, também, um Anjo Cadáver. Livra! Decido. Acrescentarei ao meu programa para 2009: «Deixar de referir em público que a Origem da Tragédia é um dos meus livros preferidos»!

No cinema é que é pior.
Em quase todos os casos, clicando, seja em Aristogatos, seja em Lolita [de Kubrick, mas Lolita de novo: suspeitíssima insistência da minha parte; nem vale a pena sugerir que se trata de uma obra-prima, nem que Kubrick é Kubrick], só me aparece o mesmo único velhote do signo Virgem. Chama-se Gil Duarte. Vai ver que nem sequer é realmente o seu nome...

sexta-feira, janeiro 02, 2009

A PROPÓSITO DOS BLOGGERS QUE GOSTAM MUITO DE PROUST

1. Nas minhas aventuras tecnológicas, clicando aqui, experimentando ali, numa acesa competição com as rainhas da informática e da net, que são a Janota e a Angel (apesar de, pelos nomes, não se ficar com essa ideia...), descobri há pouco que, bem!: vamos por partes para os menos hábeis - coitaditos! - não se perderem:

a) Com um tal arranjo gráfico, isto até até parece um teste sumativo, mas não desanimem, prossigam.

b) Indo, neste mesmo blogue, ao meu perfil...

c) E, aí, à parte onde aparecem os títulos dos meus livros preferidos (ou filmes, ou o que seja)...

d) Observa-se que tais títulos estão sublinhados; e porquê? Sinto-me em condições para vos fornecer a explicação técnica, aliás muito simples: se clicarem (por exemplo, no meu caso, sobre Em Busca do Tempo Perdido), aparecem de imediato referências a outros blogues cujos autores também tivessem escolhido o mesmo livro como sendo um dos seus predilectos (por exemplo, insisto: Em Busca do Tempo Perdido).

2. A primeira referência que aparece é a de uma brasileira quarentona, em cujo blogue vemos destacar-se a arrojada fotografia, penso que dela, em bikini, emergindo das ondas de copacabana, como uma deusa de cabelos molhados. (E noto que, contra as minhas míseras quinhentas «visualizações do perfil», ela tem vinte e uma mil e tantas. Pudera! É capaz de não ser por se tratar de uma apreciadora de Em Busca do Tempo Perdido...); logo após, vem um tal Víctor, que deve ser muito feiínho, visto que usou uma fotografia sua em que está mergulhado, não nas ondas de copacabana, mas em plena penumbra, mal se detectando os contornos do que possa ser um rosto...

3. A seguir, vou experimentar com os filmes, com as músicas e por aí fora...

4. É sempre bom saber que, espalhados pelo mundo, existem estrangeiros que partilham os nossos gostos e os nossos interesses.

5.Talvez devesse fixar, como um programa para 2009, entrar em contacto com os outros amigos de Em Busca do Tempo Perdido!

6. Mas, se calhar, deixo o Víctor para o próximo ano...

quinta-feira, janeiro 01, 2009

MINÚSCULOS EPISÓDIOS DA PASSAGEM DE ANO

1. O primeiro episódio, ocorreu imediatamente aquando dos meus passos iniciais no interior da sala aquecida: um senhor de idade, pai do anfitrião, apertou-me a mão, olhando-me nos olhos como quem procurava sondar os meus pensamentos mais pecaminosos, e largou:
- Boa noite! Cada vez mais baixinho, hein?
Tenho de confessar que este estranho cumprimento me deixou absolutamente perplexo; e que me senti quase ofendido pela manifestação desabrida do reconhecimento de que, de novo ano em novo ano, tenho vindo a envelhecer. Mas não imaginava que tivesse já chegado ao ponto em que principira a minguar. Estou, pois, mirrando. Não é o que nos acontece a todos, a partir de uma certa idade?

Acabei por contar este episódio ao dono da casa, que me explicou, entre o preocupado (com o pai) e o divertido (comigo):
- Eia, bem! O meu velho está completamente taralhouco. Não te reconheceu! A sério, ouve, pá, essa é a piada que ele diz aos netos, percebes? Quando os vê, parece-lhe que eles cresceram mais um pouco. Estão cada vez mais altos, os putos! E o meu pai, como ironia, diz-lhes sempre: «Cada vez mais baixinho, hein?». Tomou-te por um dos netos, pá!

Ao longo da noite, como se imagina, a história tornou a ser contada, suscitando sempre novas gargalhadas. Senti-me rejuvenescido. Não deixa de ser estranho como uma ofensa se transforma, depois de compreendida, em algo que nos soa como o maior dos elogios.
Sinto-me alegre por vos contar este episódio. Infantilidade da minha parte? Deixem lá, ainda estou a crescer...

2. Já acerca da minha recente ida ao médico, por causa da mancha na testa (cf. post anterior...), contei a história a um grupo, porventura insistindo demasiado na parte de me terem cobrado noventa euros para nada...
Uma rapariga, magrita e cabeluda, comentou, com certa graça:
- Deixa lá! Ou preferias ter pago os noventa euros para te dizerem que era grave!?

Postas as coisas assim...