terça-feira, janeiro 06, 2009

ÁGUAS TRANQUILAS OCULTANDO SINISTRAS PROFUNDEZAS

Tenho de vos apresentar, como personagem, a mais banal das figuras:
um pouco sobre o gordo, mas não em demasia, com óculos de massa e pernas mais curtas do que o resto do corpo, o senhor Avelar não tem mais sinais particulares para além de enfiar, compulsiva e regularmente, o dedo no interior do colarinho apertado pela gravata, para se não deixar morrer enforcado (visto que sempre acalentou o sonho de ser tranquilamente apanhado pela morte durante o sono...) e uma certa forma de erguer os olhos ao céu, como se quisesse pedir, a Deus, paciência para aturar os dislates da humanidade, mas que, na verdade, é simplesmente um tique, o qual se compôs em duas fases: primeiramente, tratara-se de erguer os olhos para se certificar de que os seus óculos se encontravam convenientemente encaixados no rosto, formando uma exemplar linha horizontal, perpendicular à cana do nariz e paralela às linhas da cabeça (em cima) e do queixo (em baixo); depois, pela repetição, acabara tornando-se um automatismo, uma obsessão, um gesto que não podia evitar e de que se envergonhava. Não muito: de que se envergonhava ligeiramente...

Por que vos falo desta personagem? Que fascínio pode exercer este rei da banalidade?

As águas tranquilas escondem, por vezes, inesperadas profundidades.
Este homem, que designo discreta e simplesmente por «Avelar» para não vos dizer que ele se chama, na realidade, Joaquim Avelar, teve dois momentos que marcariam, para sempre, a sua vida.
Em primeiro lugar, um dia bateu numa porta de vidro que deveria ter-se aberto automaticamente mas, por alguma enigmática razão, não chegou a fazê-lo.
Em segundo lugar, descobriu a sua homossexualidade, ao apaixonar-se por um sobrinho que animava certo blogue encimado por uma fotografia do autor em tronco nu, e chegou a ter um affaire com ele, que terminou bruscamente quando, não suportando a ideia de ser abandonado, o asssassinou.

Também encontram, nestes factos que menciono, algo que merece ser narrado?
Foi o que pensei. Decidi, pois, escrever uma curta série de posts a propósito desta personagem falsamente banal, em que vos irei contar o episódio, que tanto me intriga, de ele ter ido contra uma porta de vidro que, por algum motivo, não abriu automaticamente, como se esperava...

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