quinta-feira, novembro 15, 2007

DICAS LITERÁRIAS (SEM PRETENSÕES)

Disse-me, um dia, o Juiz. [Mas quem é o «Juiz», perguntar-se-ão os meus raros leitores]:
«Considero de uma enorme arrogância oferecer-se livros. A mim, não me ofereçam livros!»
Suponho que, para o Juiz, não será certamente arrogância menor aconselhar-se livros.
Mas porque uma amiga e leitora assídua mo pediu, porque não existe qualquer hipótese de que o Juiz esteja entre os leitores deste blogue, porque tenho feito algumas descobertas que gostaria de partilhar, atrevo-me a este gesto pretensioso, embora, na verdade, sem a mínima pretensão.

Duas descobertas que tinha porventura a obrigação de haver feito há muitos séculos, mas que acabei de fazer, são Flannery O'Connor e Dino Buzzati.
Não há que misturá-los. Tudo os separa: o tempo, o país, o género, as referências, as preocupações. Mas se algo os une - o talento -, esse é suficientemente forte para que me refira simultaneamente a ambos.
Há outro factor. Nos dois, comecei - por mero acaso - pelos contos. Os de O'Connor, reunidos no magnífico «Um Bom Homem é Difícil de Encontrar», primam por um estilo delicioso, poético, encantatório na descrição de vidas numa América sulista e rural, onde, a cada passo, surgem os negros, os brancos pobres, as pequeníssimas proprietárias, o vendedor de bíblias, os garotos malandros, que ninguém aceita nem quer - nem mesmo os bons cristãos...! O confronto, e é sempre de de confrontos que se trata, é escalpelizado de uma forma inesperada e, sobretudo, com constantes mudanças de ângulo: ora vemos as coisas do ponto de vista desta personagem, ora de outra; todos têm razão, nenhuma tem razão - todas são compreensíveis nas sua mesquinhez ou crueldade, todas são justificáveis na sua maldade. Mesmo o mais terrível dos assassinos, que mata friamente, aparentemente sem razão.
Buzzati, por outro lado, é autor dos contos reunidos em «Pânico no Scala», onde uma dimensão de estranheza, roçando o surrealismo, está sempre presente, à espreita, abrindo insuspeitadas possibilidades em cada conto, fazendo-nos sorrir amargamente. Reencontro esta mesma atmosfera quase fantástica, sem, no entanto, se perder um esteio permanentemente realista, no seu romance que, entretanto, já comecei a ler, «O Deserto dos Tártaros»...

Para quem pensa que os «clássicos» são, essencialmente, aquelas obras de que nunca se tem a coragem de dizer: «Estou a lê-la», mas, sempre: «Estou a relê-la», é tempo de «reler», rapidamente, Gogol. Na verdade, estou a ler pela primeira vez (confesso) o seu «Contos de São Petersburgo». (Mas que tendência para os contos, observo agora). Que, aliás - para dizer realmente toda a verdade -, comprei, antes de mais, porque se tratava de uma edição de bolso, que me custou menos de sete euros. Posto isto, todos os contos são de facto maravilhosos, mas eu começaria (e comecei) por «O Nariz», verdadeira obra-prima de humor macabro, tortuoso, retorcido que, ao mesmo tempo, nos dá uma riquíssima imagem da Rússia do Século XIX e, mais concretamente, de São Petersburgo. Também o primeiro conto - «Avenida Névski» - é de um virtuosismo estilístico delirante: principia-se por nos descrever a avenida, com as suas lojas e as suas populações habituais, consoante as horas, dispersando-se cinematograficamente até ao momento em que segue uma personagem e o desenvolvimento da sua história...

1 comentário:

Sara Rainbow Soul disse...

Thanks!!!!

Pena que não me possas emprestar os livros, os contos...
A minha leitura neste momento, é mesmo o novo do Harry Potter;)
Mas numa próxima visita à Fnac, vou procurar as tuas sugestões

Bjo