sábado, novembro 03, 2007

HERMENGARDA E SUA AMANTE II

Ou talvez não, talvez não fosse assim uma ideia tão perversa. Simplesmente entrar, sentar-se e repousar. Mais nada. Uma meia hora sem ouvir Dona Luizita, um tempo esquecendo-se de que se chamava Hermengarda, namorando a sua preciosa e interdita solidão.
Mas não foi nesse dia. Estivera quase, mas não...
Nem no dia seguinte.
Mas no outro, as mãos tremiam-lhe como se perpetrasse o pior dos crimes, ao tentar penetrar com a chave na fechadura. E o coração batia-lhe descompassadamente. E teve, uma vez entrando, de ficar quase um minuto encostada à porta, respirando fundo, para se acalmar. E não se deixou ficar senão um quartito de hora, e sem prazer, sem qualquer prazer naquela espécie de encontro fortuito com nada nem ninguém.

Foi num outro dia, ainda, que se deixou estar uma hora. Uma hora! E se, ao princípio, existia naquele gesto qualquer coisa de uma violação, de uma transgressão que a magoava até aos ossos, como se, mais do que a criminosa, fosse a vítima, aos poucos foi-se abandonando, deixando de estar tão agudamente consciente do lado doentio e malévolo do seu acto, do lado proibido, para se deixar tombar - é a palavra - num esquecimento tépido, como se estivesse numa banheira cheia de água: já nem se chamava Hermengarda, já nem havia uma sogra, já nem ruído lá fora, já nem peso, já nem ser, já nem coisa nenhuma, já nada senão a solidão que se unia a ela, a completava, a transformava...

(CONTINUA)

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