quinta-feira, novembro 08, 2007

HERMENGARDA E SUA AMANTE - V

Teve de se segurar, numa vertigem, numa náusea, num pavor, numa aflição - sensações e sentimentos inomináveis, por muito que eu multiplique palavras em busca da mais exacta.

Naquele pouco tempo, não teria sido possível, a Maria, telefonar - digamos - para Dona Luizita, prevenindo-a de que acabara de ver a sua nora, de modo que, logo a seguir, a senhora apanhasse um transporte para se materializar quase imediatamente ali. Não: a explicação tinha de ser outra. Talvez viessem juntas, mas onde iam? Ao médico? Que raio de coincidência! A não ser... a não ser... a não ser... que a seguissem há mais tempo...? Que as suas ausências - breves e espaçadas - as pusessem de sobreaviso? Pensariam, então, mas como pensar diferentemente numa situação tão suspeita?, que Hermengarda tinha um amante. O que era indigno, insultuoso. Não tinha um amante: tinha «uma» amante. Ou uma «amante».
Olhou. Já lá não estavam. Nem uma. Nem outra. Uma visão? Uma, como se chama, como se diz, ai, uma alucinação?!
O seu olhar percorreu as ruas, a seguir foi-se elevando, numa pesquisa confusa. Embateu no prédio em frente. Embateu na janela em frente da janela onde ela se postara. E, aí, descobriu um rosto que a seguia, de uma mulher muito jovem, que sorria, mais para si própria do que para Hermengarda, talvez com curiosidade, mas, sem dúvida, também com uma chama de troça no olhar. Como se tivesse visto tudo, percebido tudo: a sua fuga, o seu medo, como um rato cercado. Como uma presa acossada. E presa.

(CONTINUA)

1 comentário:

Sara Rainbow Soul disse...

Estou a gostar, está cada vez mais complexo, ou será que não?...