quinta-feira, novembro 22, 2007

ESCOLA SECUNDÁRIA DE JOSÉ LUCAS

Costuma dizer-se que a memória é curta. Que há alguma hipocrisia no modo como, em face da morte de alguém, se esquece tudo - as zangas, os ressentimentos, os azedumes, os defeitos - para que, de tudo o que era a pessoa que morreu, não restem senão os traços bons, não fique senão um resumo lembrável.

Mas eu penso que não. Que não há, nisto, qualquer hipocrisia. Que, simplesmente, sob a lente crua - e cruel - da morte, tudo se transforma e adquire novas proporções; e a existência humana, subitamente revelada na sua tremenda fragilidade, não possa aguentar nada mais para além daquilo que realmente vale a pena: para quê preocuparmo-nos com as ninharias e as insignificâncias, se o tempo é pouco e, no pouco tempo que nos é dado, há coisas tão belas, tão boas - essenciais?

Na morte de Lucas, o que fica na memória de milhares de pessoas é demasiado grande. Já não há espaço para pormenores. E mesmo as zangas, se as houve, ou as ofensas, se as queremos recordar, tornam-se momentos humanos, mais ou menos dolorosos, que serviram para fortalecer laços e dar um rumo singular à relação. Digo-o porque sei que, no seu posto de Presidente, ao longo de tantos anos, com a «insegura teimosia» e aquela necessidade absoluta de consensos - a que se refere a minha colega Elisa Costa Pinto, num dos textos mais bonitos que eu já li sobre a saudade perante a morte de um amigo... -, Lucas terá cutucado onças, exasperado amigos da onça, discutido, com ou sem razão, e voltado bruscamente as costas. Mas que interessa?

Em Lucas, precisamente, a amizade, a generosidade, a solidariedade, o medo de incomodar (que o fez ser tão discreto e secreto até em relação ao seu mal), o riso, o sorriso, os gestos - que o filho refaz numa semelhança assombrosa, ligeiramente perturbadora -, até a dicção trapalhona, a alegria e a tristeza, o cuidado com os outros, a preocupação com todos, e o amor pela escola, pela sua escola, como uma sua casa, vão perdurar, vão encher a escola, vão estar em cada recanto, em cada corredor, em cada lugar, no espaço inteiro: da escola e da memória de nós, os felizardos que o tivemos, que com ele convivemos!

Ouvi dizer que a eslav vai chamar-se com o seu nome.
Estou comovido. E, como professor da escola, sinto-me honrado.

Até já, Lucas.

1 comentário:

Sara Rainbow Soul disse...

O Lucas morreu?

Obrigada pela tua verdade, pela tua versão bela e digna...