No seu snobismo característico, James B. Lawford mostrava sempre um certo enfado pelo modo como Mrs. Miriam se apoderava do filho dele, rapaz inteligente e vivo, muito bom aluno, para o levar a "estudar com o" - isto era um eufemismo: tratava-se, na verdade, de "dar explicações ao" - seu [dela] filho adoptivo, um moço distraído, triste, sujo e mau aluno.
J.B.Lawford tinha dificuldade em responder, à pobre senhora, com uma recusa peremptória, sobretudo quando ela entoava, numa espécie de melopeia, aquelas palavras do costume: «Desculpe, desculpe, o senhor desculpe»; mas que os meninos eram «tão amiguinhos...», e nhã-nhã-nhã-nhã. (A expressão «amiguinhos», a propósito do seu filho e da outra criança, exasperava-o, mas ia acenando com a cabeça num gesto monótono que, todavia, a não calava). Para além do mais, havia os pastelinhos. Leo Lawford, o filho de James, trazia invariavelmente das sessões de estudo, umas caixas carregadas de pastelinhos.
Às vezes, a sessão prolongava-se: era já noite cerrada, em pleno Inverno, e Leo ainda não tinha voltado para casa.
E, uma vez, James Lawford decidiu mesmo vestir o sobretudo, pôr o cachecol, um chapéu, luvas, meter-se no seu automóvel e dirigir-se, sob uma chuva inquieta, amarelecida num cone de luz projectada pelos faróis, até à casa de Mrs. Miriam.
Era uma casa muito velha, antiga, em que mal se reparava, durante o dia, mas que, à noite, no escuro, sob a toalha da água dos céus, se tornava lúgubre, cheia de sombras e tristeza, evocando sinais da passagem da morte e violências inconfessáveis.
Estacionou, esperando que vissem, de alguma janela, o automóvel expectante. Mantinha os faróis ligados contra a escuridão, molhando a luz ténue na chuva. Mas Leo não aparecia. Ninguém aparecia.
Buzinou.
E numa janela pequena, de um primeiro andar iluminado por alguma vela, surgiu um vulto.
Fez sinais de luzes. Abriu a porta do carro, lançou a cabeça de fora, gritando quase desesperadamente para o ar impregnado do ruído da água:
- Sou eu! O pai de Leo!
Mas nada. O vulto não reagia. Foi só um ou dois segundos depois, à luz de um relâmpago que se despenhou do céu negro (uau! Estou estarrecido comigo) que James se apercebeu de que não se tratava nem de Mrs. Miriam, nem de um dos rapazes, mas de um homem - ou de um cadáver: branco, anguloso, magro, envolto em sombra, esculpido por sombras.
(CONTINUA)
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2 comentários:
Ai os pastelinhos tenrinhos... gosto, gosto!
O teu filhote anda a influenciar-te,ou não?Eles é que adoram contos góticos, quanto mais tenebrosos e macabros melhor, huuuuuum.
Só não percebi o que tens contra os pastelinhos.
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