domingo, março 16, 2008

SKINNY: um conto minimalista

Skinny, meu filho menor, estava particularmente desobediente, o que não costumava acontecer quando - e era o caso - eu vinha de o recompensar, pelo bom desempenho escolar, com uma ida ao cinema.
Mais: ao cinema e a seu modo, com tudo o que eu habitualmente negoceio ou recuso - as pipocas, a coca-cola, etc. etc. etc.
Por que raio me lixava agora o puto desta forma? Eu chamava-o e ele não ligava; afastava-se demasiado; atravessava ruas a correr. Furibundava-me. Dei comigo a berrar, por entre cabeças de transeuntes que se voltavam para mim, surpreendidos e assustados.
Quando Skinny enfiou por um beco estreito e estranho, pejado de graffitis e malta da pesada em todos os recantos, considerei que era tempo de pôr cobro a uma atitude tão inaceitável. Decidi-me a mostrar quem mandava ali, embora tivesse algumas dúvidas sobre quem realmente seria. Meti-me pelo beco, capaz de puxar o garotão por uma orelha, de lhe assentar um par de biscoitos nas nádegas, de lhe dar dois gritos que lhe chegassem efectivamente ao cérebro atrofiado. Falava comigo mesmo, como os malucos. «Tu vais ver! Tu vais ver!» e «Anormal duma figa!»

Naquela fúria despropositada, não cheguei a reparar que me cruzava com grupos de mau aspecto, bandos de barbas por fazer e capuzes.
Skinny desaparecera. Só o voltei a ver muito adiante, em cima de um telhado, de onde me acenava alegremente. Subira por um cano, balançava as pernas magras e não reparava, dali, nos óbvios indícios do meu estado apoplético.
Mas, para mim, era muito tarde. Porque um bando já me rodeara.
O tipo que me falou nem tinha particularmente mau ar.
Caí imediatamente em mim. Esqueci Skinny. A raiva transmutou-se-me em genuína cobardia. Lembro-me de que lhe disse, ao sujeito:
«Não tenho nada!» -, e acrescentei, num sopro de voz, «man», para me mostrar da mesma laia, como um previsível compincha, um potencial companheirão.
«Nós também não queremos nada», respondeu. «A não ser a ti».
Mais rapidamente do que o tempo de que eu dispus para narrar todo este acontecimento, ergueu-me a manga do braço direito e, perante a minha estupefacta inércia, introduziu uma agulha na minha veia.
Vi o produto da seringa descendo no interior do vidro, passando-se-me para o sangue, ouvi, vagamente, como num sonho, a voz de Skinny, e mais nada.

(CONTINUA)

1 comentário:

zorbas disse...

Não me digas que te tiraram um rim?
E o teu filho?!
Vá, conta depressa! Já roí uma unha,digo,garra...