Quando falo da impotência dos jovens para a ironia - a questão é apaixonante - não me refiro a um problema etário, mas a um problema social: conheci rapazes e raparigas que eram verdadeiros mestres nessa arte, apenas observo, como professor, que, de ano para ano, vou ensinando novos bandos de jovens que não dominan nem têm já sensibilidade para ela, que a não usam como um dos seus instrumentos, ou que a afinaram pouco e não se sentem muito à vontade nesse elemento.
Na verdade, penso que o problema é mais vasto. Não é exclusivamente a questão da ironia mas, do meu ponto de vista, a questão da linguagem o que está em causa.
A ironia não é uma pura função intelectual, uma mera capacidade cerebral, mas uma das possibilidades da linguagem. A ironia é uma forma de usar a linguagem simbólica, que pressupõe um rasgão no sentido, um subtil desvio, que não introduz a mentira porque assume que o receptor da mensagem é capaz do mesmo desvio, do mesmo recuo, de compreender o contrário do que está expresso.
Evidentemente, quando me refiro a um embotamento da ironia, é a um embotamento desta no seu uso mais sofisticado, mais delicado, mais inteligente. O símbolo, pelo contrário,da ironia dos jovens de hoje, que é uma forma toda ela feita de sublinhados, de risos, de advertências, de indicações, para não haver a mínima hipótese de que a duplicidade do sentido possa escapar, é o gesto tipicamente norte-americano com que, uma pessoa que está a falar, faz questão de pôr uma frase ou uma palavra entre aspas, como desenhando-as no ar com dois dedos de cada mão.
Uma ironia mais plástica, menos óbvia, menos grosseira, requereria um outro poder sobre a linguagem, uma outra capacidade de interpretação, que multiplicasse os seus níveis e as suas virtualidades; isso implicaria um convívio com o texto escrito, com os grandes autores, os grandes mestres, um prazer e um cuidado com a linguagem e com a língua, que há algumas gerações, por muitos motivos, se veio descurando.
sexta-feira, março 24, 2006
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