terça-feira, março 14, 2006

NUNO CRATO, O ANTI-EDUQUÊS

Eu gosto de Nuno Crato.
Se às vezes faço dele o alvo do meu sarcasmo, não é porque não entenda que, no fundo, a falta de tacto e de polimento de algumas das suas afirmações é somente a forma que elegeu para «épater le bourgeois», isto é, no caso, os bons sentimentos, leia-se, o «politicamente correcto».

O seu último livro, sobre (e contra) o «eduquês», é uma crítica implacável e, geralmente, bem fundamentada, das modernas pedagogias e do seu romantismo que reduz todo o ensino ao problema de como motivar os alunos.
É esta crítica original? Não é. Se nos lembrarmos de um texto recente e polémico de Maria Filomena Mónica sobre os «Filhos de Rousseau» (também, depois, editado em livro) compreendemos a linha de que são feitas estas críticas: Rousseau seria, segundo elas, o verdadeiro pai teórico da pedagogia em que chafurdamos em Portugal; somos todos herdeiros da ideia rousseauniana de que os meninos não devem ser sacrificados, de que todo o progresso - e exigência de progresso - é simultaneamente uma perversão do bem natural e espontâneo, de que o ensino terá de ser não um factor de progresso mas de prazer, uma espécie de permanente exercício lúdico...

Rousseau tem as costas largas. A busca de um pai intelectual é sempre uma tarefa imperfeita. Do meu ponto de vista, Jean-Jacques tem pouco que ver com o estado a que o ensino chegou. Os verdadeiros e múltiplos pais dos novos métodos são toda uma geração: a daqueles - de que Maria Filomena Mónica e Nuno Crato fazem parte - que eram jovens nos anos sessenta, e que, contra uma sociedade asfixiante, que lhes impunha modelos bafientos enquanto enviava os rapazes para a guerra (Vietname, Angola, Moçambique), opôs a sua contracultura: feita de liberdade e criação na música, nas relações, no vestuário, na linguagem, com uma procura delirante do exótico e do prazer imediato - fosse no amor, fosse nas drogas, nas filosofias do Oriente, em Che ou em Mao.

Este movimento, de que nos tendemos, hoje, a esquecer, envolveu e mudou o mundo de várias formas e em diferentes frentes. É da vaga de psicólogos e sociólogos então produzidos, carregados de boas intenções, sonhos e droga, que nós somos, todos os professores quarentões, os autênticos herdeiros.

Não há dúvida de que os disparates se acumularam e o desastre parece ameaçar-nos a cada instante. Estou, como Crato ou como Mónica, contra as novas pedagogias em que se apoia o sistema que se tornou, aparentemente, pouco sério e nada eficaz. Não há, talvez, nada mais pernicioso do que as boas intenções, quando mal compreendidas, mal digeridas e estupidamente aplicadas. Mas seria importante não lançar fora o bebé com a água do banho: não perder de vista a intenção de humanização do ensino que subjazia a esses projectos que tanto mal fizeram. Seria importante que, corrigir, reformar, não fosse - como, às vezes, parece na boca de alguns - passar do modelo que em tudo detecta horrorosas fontes de desprazer e recalcamento, para o modelo que não teme minimamente fazer sofrer, e que exclui o prazer como elemento da aprendizagem.

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