sexta-feira, março 17, 2006

SOBRE TRAIÇÕES, ERROS E O QUE MAIS SE VERÁ

Terei talvez perdido - com uma natural melancolia - aquela que, desde o momento em que descobri que o meu blogue atraía alguns curiosos, talvez equivocados, se mostrou a minha leitora mais interessada e atenta: sm, que comentava com alguma regularidade os textos que a tocavam, não voltou a emitir sinais vitais.
Preocupa-me a ideia de um encontro tão fugaz.
Preocupa-me que um dos meus aforismos, em especial, a tenha indignado.
Talvez valha a pena falar disso mais detidamente.

Sob a capa peremptória, petulante, de saber definitivo, que é a forma própria e natural de um aforismo, o que procurei foi apresentar frases - aquilo a que gosto de chamar «ideias com poucas palavras» - que me obrigam a reflectir contra a corrente, à margem da visão consensual (a minha própria, em primeiro lugar), da rotina ideológica e moral em que, como todos, também no dia-a-dia tendo a equilibrar-me.

Sei que, em situação de equilíbrio, raramente penso, na acepção mais lata do termo «pensar»: quando muito, limito-me a repetir-me.
É quase sempre na instabilidade, no desequilíbrio, na ameaça do desconhecido, do «e se fosse de outra maneira?», que sinto o pensamento abrir asas.
Não, não se trata de querer por força mostrar-me original ou de querer, por força, ser paradoxal e diferente: trata-se, para empregar uma expressão da própria sm, de abrir frestas. De arriscar, aqui ou ali, a vertigem do «e se fosse?»

Não professo nenhuma teoria sobre a infidelidade. Não venho aqui fazer a apologia dela. Pergunto-me, somente, se tenho a certeza de que está, relativamente à «traição», tudo já moralmente certificado. Se, mesmo o acto terrível e escandaloso de enganar alguém, não contém às vezes algo, não digo de bom, mas irredutível ao moralismo imediato: uma dimensão trágica...? Pergunto-me o que será, o que poderá ser, por exemplo, o dilema de estar partido entre duas pessoas que ame intensa, imensamente, que me mereçam ambas absolutamente e eu desejaria merecer - ambas - fielmente.

Conheço quem seja infiel por lhe estar na massa do sangue, que engane como quem bebe água, porque dessa duplicidade e desse secretismo retira a adrenalina necessária para se sentir vivo; conheço quem solucione, pelo contrário, as suas infidelidades mentais optando por uma estrita fidelidade, alimentando uma inconfessada e inconfessável paixão platónica, pensando mais na outra ou no outro do que no/a legítimo/a. Conheço gente, ainda, de uma fidelidade fácil - a dos que nunca sofreram sequer a tentação, nem se sentiram divididos, nem entreviram qualquer outra possibilidade, nem estremeceram: espíritos tranquilos, que dormem sossegadamente, sem um único dilema amoroso, e que não sei se inveje, se lamente. Mas conheço, por fim, outros casos: os que vivem esta impossibilidade como possibilidade, ou esta possiblidade como impossibilidade e, sempre, como um mal profundo, que os corrói e traga, que os esmaga mas a que não podem escapar.

É por tudo isto - mas, em relação a certos temas, é certo, nunca nos explicamos suficientemente: tudo ficaria ainda por dizer - que este acto que eu não aprovo - não se trata aqui de aprovação - contém algo de paixão infeliz, de impossibilidade fatal, que me parece que a palavra «traição» julga sem tentar compreender.

Não quero ter razão, sm. Ter razão é demasiado fácil e, sobretudo, demasiado enganador. Gostaria, isso sim, de pensar e ver para além do que me é segura e comodamente oferecido.

Deixa-me não ter aquilo que tu consideras ser o «ter razão» - e, mesmo assim, continuares a ler-me.
De vez em quando...

1 comentário:

lara_1012 disse...

Bom, este não é a tua leitora mais assídua que comenta. O que é afinal ser "infiel"? Parece-me a mim que o que a sm queria dizer era que "enganar" é que era triste. Manter o outro numa ilusão. Mentir. Mas o amor não é simples. Assume muitas formas, muitas nuances, muitas intensidades. Como eu gostaria de estar certa de que o meu amor é único e eterno! A única coisa que sei é que é único e eterno AGORA.
E continua a escrever, por favor. Eu ou outros havemos sempre de ler. Talvez não só de vez em quando.