sexta-feira, abril 14, 2006

DIÁLOGO CONCISO (II)

- Boa tarde.
- Boa... boa tarde, senhor agente, boa tarde.
- O senhor tem alguma ideia da velocidade a que circulava no interior de uma cidade?
- Sim. Não. Isto é, sei que ia a mais do que o limite...
- Mostra-me os seus documentos, faz favor...?
- É que... senhor agente, eu...
- Até parece que o senhor ia tirar o pai da forca.
- E ia, precisamente, senhor agente.
- Os seus documentos, não se importa!?
- É quase isso. Ia salvar o meu pai.
- Da forca? Já lhe pedi os documentos, está a enervar-me.
- É que recebi um telefonema do meu pai, senhor agente. Oitenta e dois anos. Não. Três. Oitenta e três. Uma voz... uma voz muito sumida, assim: «fiiilho...!» Quase um sussurrar. Tinha tentado suicidar-se com comprimidos. Arrependeu-se no último momento. Telefonou-me. Já telefonei para as urgências, mas eu ia desarvorado por aí... tenho medo, senhor agente. Aquela voz: «meu fiiiilho...!»
- Não é razão. Não é razão. Então põe em perigo a sua própria vida porque a vida do seu pai está em perigo? A sua vida e a dos outros condutores...?
- Não há outros condutores, senhor agente. Bem vê, a via está deserta. Já lhe expliquei. Pelo amor de Deus, deixe-me seguir.
- Ora imagine que tinha um acidente. Como é que ia poder ajudar depois o seu pai?
- Senhor agente, aqui parado é que o não vou poder ajudar. Deixe-me seguir, ou faço um disparate de que me arrependerei a vida toda.
- O senhor bebeu?
- Senhor agente, estou mal dormido. Estou cansado, estou preocupado.
- O senhor bebeu? Vou ter de lhe fazer o teste do balão. O senhor não está em condições.
- Estou desesperado. A casa do meu pai é já ali, que acidente é que posso ter no caminho até ali? Por que não vem comigo? Por que não me ajuda?
- Os seus documentos estão em ordem. Tome. Importa-se de sair da viatura?
- Mas...
- Venha cá, se faz favor. Vou ter de lhe fazer o teste do balão.

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