domingo, abril 09, 2006

INSTINTO FATAL 2: CAÍ NA ARMADILHA

Encontrando-me sozinho à noite, com um raríssimo tempo livre para gastar, carente de cinema, esse saudoso ritual que abandonou praticamente os meus hábitos, vi-me diante de várias salas mas de muito pouca escolha: uns filmes já tinham principiado, outros interessavam-me nulamente.
Acabei por optar por um que, com efeito, também me não interessava, mas só moderadamente me não interessava: Instinto Fatal 2.

O problema que a crítica portuguesa erigiu como «o» problema a partir do qual se decide a importância de Instinto Fatal 2 é um problema que nada me diz: ou que nada diz à minha mania wittgensteiniana (para-wittgensteiniana, de facto, porque o que Wittgesntein realmente afirma é bem diferente) de que, sobre aquilo que está já dito e redito, mais vale fazer silêncio. Tal problema é: tem algum sentido uma sequela do Instinto Fatal, a não ser para Sharon Stone mostrar que, como escrevia alguém, «ainda está ali para as curvas»?

Passo, portanto, a uma outra questão, que, essa sim, me mereceu pelo menos a seguinte reflexão: como já acontecia no nº 1, aquilo que o filme quer construir como um fim absolutamente imprevisível e, mais do que isso, totalmente ambíguo - será, pergunta-se o espectador, que a última versão é a verdadeira?, não poderia a verdade ser, antes, qualquer uma das versões que foram sendo sucessivamente sugeridas ao longo do filme? -, é um fim elaborado de uma forma extremamente desonesta: não foram revelados indícios, nem semeadas pistas, nem sendo insinuadas possibilidades e, portanto, é ilegítima essa derradeira torsão, esse final caído violentamente do céu, que viola o espírito da história para poder surpreender-nos a todos.

Talvez, portanto, valha a pena falar deste filme sob esse aspecto: como um exemplo do que se não deve fazer. Uma história - e, mais do que todas, uma história «policial» - tem de supor um pacto com o leitor ou com o espectador. Só pode ser a evolução de uma situação que nos permita, a nós que a «lemos», ir conhecendo as personagens, nos seus perfis psicológicos, não de maneira a evitar a imprevisibilidade - o que seria um romance de mistério sem a «imprevisibilidade»? -, mas de maneira a que o leitor/espectador possa entrar no jogo, arriscando as suas previsões, retirando, também, as suas conclusões. A imprevisibilidade não lhe pode ser lançada à cara de lado nenhum, a partir de coisa nenhuma.

O cinema americano, que sabe tanto - e, aquilo que sabe, sabe infinitamente melhor do que outros «cinemas» -, esquece que a fraude é, certamente, surpreendente, mas nem toda a surpresa tem de ser uma fraude.

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