segunda-feira, abril 03, 2006

MARGARIDA E GEORGE

Margarida Rebelo Pinto não se sente insultada por que lhe dizerem que não sabe escrever, que não é capaz de fazer um romance com pés e cabeça, que o que produz não é literatura. Valha-me Deus! Seria muito mau sinal que a senhora o não soubesse já, ou que a preocupasse minimamente qualquer coisa que está tão obviamente arredada dos seus objectivos.
O negócio de Margarida Rebelo Pinto é outro: mais precisamente, o negócio.
Descobrir, num país inculto e vagamente semi-alfabetizado, onde se lê a «Maria», a «Crónica Feminina» ou a «TV-Guia» - que um livro propriamente dito, com mais de cinquenta ou de cem páginas, não pode vingar, a não ser que seja o desenvolvimento de uma típica carta de leitora da «Crónica Feminina», com palavrões de cinco em cinco linhas, personagens lineares (mulheres emancipadas e homens maus e estúpidos) e, uma vez feita essa descoberta, torná-la um ganha-pão, não tem que ver com literatura: tem que ver com negócio. O negócio do «best-selling». Margarida Rebelo Pinto não se preocupa com isso. Não se ofende com isso. Que haja críticos que se dêem ao trabalho de lhe ler as obras e as comentar, como se elas tivessem qualquer pretensão a ser mais do que são, revela um enorme equívoco e uma mente perturbada. Não a de Margarida. A do crítico.

João Pedro George, que é um professor universitário e tem ensaios publicados, está agora muito na moda por ter escrito um livro sobre os segredos da escrita de Margarida Rebelo Pinto. Já tinha dado uma entrevista ao 24 Horas, vem agora à televisão a propósito da sua crítica, sem perceber aquilo que, talvez injustamente, vai estar na mente de todas as pessoas: que George se aproveita da celebridade da autora de «Não há Coincidências», «Sei lá», «Alma de Pássaro» e não sei que mais, para tratar da sua própria vida e da sua própria carreira, que havia certamente estagnado (ou, mais rigorosamente: não havia ainda arrancado) até ao momento em que teve a genial intuição de parasitar dona Rebelo Pinto. George, que não creio que alguma vez tivesse posto os pés numa televisão, dificilmente, agora, sai de lá. Vemo-lo à hora do almoço, do lanche e do jantar, entre notícias sobre manifestações em França e sobre os treze restaurantes chineses encerrados por motivo de absoluta nojeira. Aparece, geralmente, sentado num escritório pobrezinho, no género do meu, com poucos livros e uma mesa em pinho. Pensa-se logo, maldosamente: «Lá está ele à procura de um meio para progredir na vida...!»
Alguém ganhou alguma coisa com isso?
O senhor George sim - e há-de, talvez, ganhar ainda um pouco mais.
A senhora Margarida sim, porque lhe dão atenção e a confundem com uma escritora criticável (ao nível, note-se, de um Agualusa), quando se não trata de uma «escritora» mas de uma «pessoa que escreve», o que é completamente diferente. Pode agora fingir que se ofende, que se melindra, quando, de facto, nada disto lhe faz a menor mossa.
Os noticiários televisivos ganham porque, durante este início de Primavera, recebem no palco mais duas personagens envolvidas num conflito serôdio.
Todos os outros, os que vêem e ouvem, e os que ainda se dão ao trabalho de escrever sobre este assunto, como eu, só perdem. Quanto mais não seja, tempo.
Se ainda tiver leitores, peço humildemente desculpa pelo tempo que os fiz perder com esta caca.

1 comentário:

Gil Duarte disse...

É a minha vez de discordar totalmente:
1. Se se trata de fazer literatura, não basta escrever-se e muito menos vender-se para se ser um «escritor». Shakespeare estava bem arranjado se o critério para decidir da qualidade literária da sua obra fosse vender bem; num país em que se produz tanto lixo com letras e capa, torna-se-me difícil aceitar que baste escrever-e-vender.
2. A importância de ser tão lida é relativa. Não me diz nada acerca do que vale a sua obra. Quando muito, diz-me acerca da eficácia do marketing ou da cultura portuguesa. Em matéria de arte sou pouco democrático. Sou um snob pavoroso: não é a quantidade de leitores que decide da importância nem do valor da obra.
3. Acontece que eu li Margarida Rebelo Pinto. «Não há Coincidências», precisamente. Bastou-me.
4. Mas eu não quero que as pessoas que gostaram deixem de gostar. Há tão poucas alegrias na vida. Que lhes faça muito bom proveito! Não é útil criticá-la porque, na minha perspectiva snob, é uma perda de tempo. Mais vale o crítico falar daquilo que acha que vale a pena.